Duas demissões de vulto, com horas de intervalo. Num caso, caiu o responsável direto pela polémica (João Soares, e a sua promessa de distribuir bofetadas); no outro, o demissionário foi apanhado pela engrenagem (Carlos Jerónimo, o chefe do Estado- -Maior do Exército, que se envolveu na questão do Colégio Militar).
João Soares sempre teve uma marca de irascibilidade. Beneficia e sofre por ser filho de quem é. O dirigente partidário, o vereador, o presidente de Câmara, o agora ex-ministro, nunca foi politicamente correto, muitas vezes foi mesmo incorreto. É o seu estilo e por isso é tão controverso. Esteve em várias e duras polémicas, gosta da afronta, de provocar, de ser o enfant terrible. Foi longe de mais desta vez. Um ministro não oferece estaladas – pelo menos de forma que possa saber-se – a quem o critica. A discórdia é essencial à democracia, e ele sabe-o. Demite-se porque não está disposto a abdicar da sua liberdade, diz ele. Não pega: João Soares tem idade e experiência política suficientes para reconhecer que a responsabilidade restringe a liberdade. Aceitou ser ministro, sabia com o que contava.
Passemos ao Colégio Militar. Ao Observador, o tenente-coronel António Grilo, subdiretor do Colégio Militar, disse que “nas situações de afetos [homossexuais], obviamente não podemos fazer transferência de escola. Falamos com o encarregado de educação para que perceba que o filho acabou de perder espaço de convivência interna e a partir daí vai ter grandes dificuldades de relacionamento com os pares. Porque é o que se verifica. São excluídos”. A direção do Colégio Militar tem funções pedagógicas e não basta dizer o que se passa dentro dos muros da escola. Era essencial ter anunciado o que propõe para contrariar esta discriminação. O ministro Azeredo Lopes fez o mínimo: pediu esclarecimentos sobre a afirmação e quis saber o que vai o Exército fazer para corrigir a situação. Parece óbvio que o colégio não pode ter atitudes homofóbicas e não pode ter, entre os seus formandos, intolerantes. Sobretudo, não podem ser estes a determinar o comportamento da escola. Ficamos sem saber quando, como, e se ensina o colégio os valores do respeito pelos outros e o direito à diferença.
Pelo que se sabe, o general Carlos Jerónimo não gostou que o pedido de explicações tivesse vindo a público, nem quis mudar o que lhe terá sido pedido que alterasse. É fundamental saber se a demissão foi motivada apenas pela incompreensão do general face à necessidade de transparência ou se há relutância em mudar o pensamento – ou os responsáveis – do Colégio Militar. Não são as declarações de antigos e atuais alunos ou pais que respondem pela escola.
As demissões são um dos preços da democracia: não é fácil manter a urbanidade perante a crítica, nem aceitar que as declarações públicas tenham de ser publicamente debatidas. Há, no entanto, uma grande diferença entre os dois casos: no do ministro demissionário, o assunto ficou resolvido, já não temos qualquer governante a prometer tabefes; no do Colégio Militar, no essencial nada mudou.
Ficariam estas histórias por aqui não fosse a questão suscitada pela intervenção de um advogado em grandes negócios do Estado e em sua representação. Fê-lo na maior das informalidades, confessou o primeiro-ministro, incomodado com as perguntas formuladas pelos diretores da TSF e do DN. Por estranho que pareça, para Costa este não é tema relevante. Diz ser natural que um grande amigo, padrinho e tudo, do chefe do Governo trabalhe graciosamente e sem estatuto formal e público. Apetece sugerir-lhe que siga o conselho de Ricardo Araújo Pereira e se interrogue: “Que diria eu se fosse com Cavaco?” Ou com Passos, acrescento eu. Talvez Costa não pedisse demissões, mas haveria quem o fizesse.