Nenhuma saga portuguesa ultrapassa a do aeroporto de Lisboa. Construído em 1942, o Aeroporto da Portela – agora Humberto Delgado – operou dezassete anos até que, em 1969, o governo do Estado Novo criou o Gabinete do Novo Aeroporto. Hoje, 54 anos passados, milhões de euros gastos em estudos, continuamos em busca de um pedaço de terra que esteja à altura do grandioso aeroporto. O Novo Aeroporto é como um filme por estrear com 54 trailers. Uma série em que o genérico se prolonga há 54 temporadas. Se pagamos a fatura desta indecisão olímpica – de longe, o drama mais caro do cinema nacional – comamos ao menos pipocas.
No próximo dia 27 de abril, a comissão técnica independente apresentará ao Governo a lista final de destinos candidatos a receber o aeroporto. Há, neste momento, sete localizações em cima da mesa – Alcochete, Alverca, Beja, Monte Real, Montijo, Portela, Santarém – e nove soluções resultantes de combinações. Nos últimos 54 anos, já estiveram em cima da mesa também Ota, Marateca, Tires, Porto Alto, Granja, Fonte da Telha, Santa Cruz e Rio Frio. Só entre 1999 e hoje, o montante gasto em consultoria e estudos ultrapassa os 90 milhões de euros. Não há dados públicos sobre os gastos nos 30 anos anteriores.
Arriscando-me a ser polémico, sinto que devo confessar: não sei onde construir o novo aeroporto. Peço desculpa – todos temos as nossas excentricidades. Pago a minha parte dos impostos, a minha família também, confiando nos técnicos contratados para fazer o seu trabalho. Assim, olho para esta eterna Busca do Vale Encantado como ilustração máxima da inércia nacional. A revolução no sistema de transportes já era urgente para os celtiberos. Em quase 50 anos de democracia, a indecisão arrastada pelos sucessivos governos pinta o quadro de um País periférico que faz questão de ser periférico.
Olhemos em volta. Em 2023, a Europa está a discutir a redução dos voos e a substituição dos aviões por comboios rápidos, eficazes e limpos do prisma energético. Perdão: nós estamos a discutir. A Europa está a investir. Espanha, onde os portugueses vão pôr gasóleo para poupar umas coroas, é o segundo país do mundo com mais quilómetros de comboio de alta-velocidade. Do mundo. No top 10 deste ranking está também a França, a Alemanha, a Itália, o Reino Unido, a Finlândia – para nomear apenas países europeus.
No quadro dos desafios para o clima, para a economia e para a coesão territorial, a aposta em alternativas ao carro (e ao avião) devia ser a prioridade em matéria de infraestruturas. Há décadas que o sabemos. No entanto, à data da apresentação do Plano Ferroviário Nacional (2021), Portugal tem o mesmo número de quilómetros ativos de linha-de-ferro que tinha em 1893. Enquanto nos entretemos com o vai-não-vai do debate sobre o aeroporto, compramos bilhetes de comboio online num país onde a maior parte da linha ainda útil foi construída há 130 anos, no tempo da monarquia. Por este andar, quando o destino do aeroporto for finalmente decidido, os aviões estarão obsoletos. É o anacronismo como fado. Ou, quem sabe, é o caminho para que Portugal inverta o ciclo e alcance a vanguarda da política de transportes: fechar os aeroportos, ficando bem na fotografia com o argumento da pegada carbónica. Acabar de vez com os aviões. Resolvia-se o imbróglio da Portela e o da TAP. Dois em um.
Normalmente, diria que cá estaremos para ver o desfecho. Neste caso, não posso garantir. Fredric Jameson invocou a ideia de que é mais fácil imaginar-se o fim do mundo do que o fim do capitalismo. O autor teria decerto muito a dizer sobre a pós-modernidade à luz da questão da Portela. O tamanho de Portugal, além do mais, engana. Veja-se: como será possível ver tantas soluções para o aeroporto num retângulo de terra tão pequeno? Ora, enquanto aguardamos pelo próximo trailer da saga, a comissão independente lançou a plataforma “Aeroparticipa” – que convida cada ilustre cidadão a opinar e a colocar, num mapa, o aviãozinho no local que lhe parecer mais tecnicamente viável para as pistas de descolagem.
Não me sentindo, repito, munido do conhecimento suficiente para deixar o meu contributo na plataforma, estou certo de que há quem esteja sedento para se registar no site e dar o seu parecer técnico. A verdade é que, com tanto estudo, é natural que Portugal seja um centro nevrálgico mundial no domínio aeroespacial. Neste campo, vou ficar só a ver. Tenho, aliás, para mim que o aeroporto surgirá pronto numa manhã de nevoeiro. Se puder votar no nome, sugiro Aeroporto Internacional D. Sebastião. Com tantas localizações, só tomara que não acabe em Alcácer Quibir.
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