Era um sábado como os outros, mas Luís Montenegro falava como se fosse o último sábado de uma campanha eleitoral. As televisões transmitiam em simultâneo o comício do PSD que, desta vez, não aproveitou as oito da noite para anunciar novos veículos para as Forças Armadas. As declarações do primeiro-ministro, vitimizado, seguiam-se insuficientes e pouco esclarecedoras.
Para falar sobre um tema que só a si diz respeito — e pelo qual é o único responsável —, o chefe do Governo fez questão de se acompanhar do atual elenco governativo, comprometendo-os com as suas declarações. Mas isso não bastou: os portugueses descobriram que Luís Montenegro mentiu quando referiu que havia alienado todas as quotas na sua empresa familiar. Mas, afinal, a sua mulher, com quem vive em comunhão de adquiridos, ainda detinha uma participação; e só depois é que os filhos iriam assumir o controlo da empresa. O que não resolve qualquer conflito de interesse. Parece ser por demais evidente que os negócios da família do primeiro-ministro continuam a beneficiar do seu cargo público.
Luís Montenegro foi elencando demoradamente as supostas conquistas do seu mandato, muitas das quais tendo sido já alcançadas sob a governação de António Costa: a redução da dívida pública, o aumento da taxa de emprego e a diminuição do desemprego. Depois de apresentar um verdadeiro catálogo do IKEA, onde toda a mobília parecia encaixar na perfeição do país, Montenegro, apoiando-se no seu pretenso grande trabalho, acenou com uma moção de confiança. Moção de confiança que é sabido de antemão que não será votada favoravelmente pelo Partido Socialista.
Então, o que pretende o PSD? Novas eleições? Criar nova instabilidade política? Os portugueses sabem que, por mais atípico que tenha sido, o PS absteve-se na votação do Orçamento do Estado para permitir ao Governo continuar a governar. Mas também sabem que não será o PS a “dar a mão” ao Governo – tal seria extremamente inusitado no atual contexto político nacional. Ainda que Luís Montenegro pareça cada vez mais concentrado na conquista de votos ao centro, procurando responsabilizar o Partido Socialista pela instabilidade política, não deixa de ser o próprio quem tem dado lugar a essa mesma instabilidade.
Enquanto se passa tudo isto, os portugueses ficaram a saber de escolhas pessoais do primeiro-ministro que levantam muitas questões. Num país em que o salário mínimo é de 870 euros, o atual chefe de governo decide hospedar-se num hotel de cinco estrelas, onde a estadia por noite ronda os 300 euros, conquanto tem à sua disposição uma residência oficial: pasme-se!, a “Residência Oficial do primeiro-ministro.”
Todos sabemos que o líder do PSD tenta desviar-se dos pingos da chuva ao evitar responder aos jornalistas — por vezes até se escondendo deles — enquanto quase que decreta o fim de certos assuntos. Uma atitude destas é naturalmente incompreensível em plena democracia, e os portugueses exigem mais transparência! Não basta propaganda.
Por isso mesmo, a decisão tomada por Pedro Nuno Santos, na passada segunda-feira, é a mais sensata e estável. A proposta de uma comissão de inquérito, de forma potestativa, permitirá alcançar a transparência e as respostas que são devidas aos portugueses.
Contudo, dada a recém anunciada moção de confiança ao Governo, apresentada pelo primeiro-ministro, tudo indica que o mesmo estará prestes a cair. Logo após a queda de uma maioria absoluta devido a um parágrafo, Portugal parece entrar num período de instabilidade política semelhante ao da Primeira República. A incerteza sobre o futuro governativo do país vai aumentando, e o risco de sucessivas crises políticas pode não só comprometer a governabilidade, como também comprometer a confiança dos portugueses nas suas instituições.
Portugal não pode transformar-se numa república das bananas! Exige-se mais respeito pelos portugueses.
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