Vários setores profissionais saíram à rua em protesto por melhores salários e condições de vida, desde professores, médicos, enfermeiros e o Governo foi confrontado com crises graves nas mais diversas áreas, saúde, educação e habitação.
No setor da justiça também se fizeram sentir os sinais de desalento, com sucessivas greves dos funcionários judiciais, em luta por um estatuto condigno e pela valorização da respetiva carreira.
A degradação das instalações e equipamentos do parque judiciário, a falta de funcionários judiciais que levam alguns serviços, sobretudo nas valências do Ministério Público, a uma situação de quase rutura.
Nas unidades especializadas na investigação dos crimes de violência doméstica e para articulação com as componentes da promoção e proteção e responsabilidades parentais, criadas para combater esse fenómeno criminal, onde apenas existem processos urgentes, a falta de funcionários judiciais tem levado a meses de atraso no cumprimento dos processos com o elevado risco de o sistema falhar na obrigação de proteger as vítimas.
Perante as graves carências de meios humanos e materiais com que o sistema judiciário se depara, e dentro dele com maior incidência, o Ministério Público, que impedem o exercício das suas competências de forma a dar uma resposta atempada e de qualidade, o poder político pouco ou nada fez para inverter este estado de coisas e pouca preocupação demonstrou pela resolução dos problemas por todos os operadores judiciários tantas vezes enunciados.
O poder político apenas acordou para a justiça por causa de um parágrafo, num comunicado, onde apenas se referia que o Ministério Público estava a exercer as suas competências e perante a notícia de um crime iniciado uma investigação criminal.
A partir daí foi efabulada toda uma narrativa em torno do referido parágrafo, querendo fazer crer que o “poderoso” parágrafo tinha feito cair um Governo e arrastado o país para uma crise política.
Algo tão ridículo e disparatado passou a assumir contornos de verdade para uma orquestra de comentadores com pouca capacidade de juízo crítico perante um produto viciado e contrafeito que lhes é vendido como se fosse genuíno.
Várias vozes se ouviram de vários quadrantes políticos, algumas ressuscitando fantasmas do passado, que começaram a traçar um caminho de ataque à Procuradora-Geral da República e ao Ministério Público, chegando a exigir a exoneração daquela, como se a decisão de exoneração de um Procurador-Geral pudesse ser tomada de forma tão leviana, que a acontecer seria um claro e inequívoco atentado à independência do sistema judicial, a exigir seguramente atenção das instâncias da União Europeia enquanto ato comprometedor da realização do Estado de direito.
Em suma, a única vez que o poder político manifestou preocupação com o sistema de justiça, não foi para resolver os problemas acima enunciados e desde à muito conhecidos, mas sim para encontrar formas de “domesticar” o Ministério Público, para que no futuro não exerça as competências que por força da Lei Fundamental tem que exercer.
Aproxima-se um novo ano cujo início vai ser marcado por eleições legislativas.
Nesse quadro e perante as vozes que já se fizeram ouvir, é exigível que os partidos que concorrem às eleições apresentem claramente aos eleitores quais os seus programas para a justiça e que alterações pretendem introduzir no nosso sistema, designadamente no que tange ao Ministério Público, para que não se encubram agora enviesadas intenções e sejam depois os cidadãos confrontados com acordos políticos em relação a matérias essenciais para os quais não estão democraticamente legitimados.
Votos de Boas Festas e de um Feliz 2024.
MAIS ARTIGOS DESTE AUTOR
+ Lei da Política Criminal para o biénio de 2023-2025
+ Mais um chumbo do Tribunal Constitucional aos metadados
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.