A nossa sociedade vive uma época de enorme exigência, com grandes transformações a ocorrer e de forma muito rápida e drástica. Acompanhar estas mudanças, adaptarmo-nos aos novos papéis e sentirmo-nos bem neste trajeto, tem sido um objetivo difícil de alcançar.
Tornamo-nos mais exigentes em relação aos outros, ao mundo, ao trabalho, ao amor, à família e até… em relação a nós mesmos. Do mesmo modo, somos alvo dessa exigência vinda de todos os lados e de todas estas relações ou, pelo menos, assim o sentimos. Exigimos ser bons alunos, excelentes profissionais, amigos presentes, namorados exemplares, filhos perfeitos, pais excecionais e por aí em diante. Ao mesmo tempo, também temos que o conseguir fazer com um sorriso e, de preferência, com um aspeto físico cuidado, o que também nos obriga a uma inscrição no ginásio. E como cuidar do corpo não basta, temos que cuidar da mente e ainda nos inscrevemos num curso de yoga ou meditação. Também frequentamos o curso de preparação para o parto do 2º filho, ao mesmo tempo que levamos o mais velho aos treinos de karaté. Almoçamos ao domingo em casa dos pais e jantamos à sexta em casa dos sogros. Ao sábado temos que conseguir estar com os amigos… e não nos podemos esquecer de marcar o fim-de-semana fora… estamos mesmo a precisar! Temos feito horas a mais no trabalho e andamos muito cansados, logo, não conseguimos fazer os trabalhos de casa com o filho mais velho e temos que pagar um apoio ao estudo, que nos obriga a trabalhar ainda mais para o poder pagar… Poderia continuar, mas não vale a pena. Já percebemos a ideia.
É nesta busca da felicidade, do correto ou do perfeito que cometemos grandes erros. Olhamos algo dito perfeito como uma coisa que também gostaríamos de alcançar, sem nos apercebermos, muitas vezes, de como esse perfeito pode ser muito imperfeito. Imperfeito na forma como é vivido e alcançado, imperfeito naquilo que nos faz ser ao querermos ser melhores.
A busca de uma perfeição imperfeita leva-nos muitas vezes a autoagressão, nas suas mais variadas formas, seja através de pensamentos de desvalorização, seja através de dano físico. Esta necessidade de perfeição que o mundo nos impõe ou que nós mesmos nos impomos, leva-nos a transformar uma ideia numa obsessão, entrando num caminho solitário, um caminho que nos afasta cada vez mais de nós mesmos, dos nossos valores, dos nossos princípios, das nossas raízes, das coisas simples que nos fazem felizes. Vivemos para ter, para chegar a algum lugar, para sermos perfeitos sem nos apercebermos que cada vez mais rumamos à imperfeição, sem notarmos que já nos perdemos no caminho.
É, por isso, importante desconstruir esta ideia de perfeição, aliviar a pressão que sentimos ao observar o suposto “sucesso” dos outros, a procurar uma identidade própria sem tentar seguir modelos disruptivos, a compreender a nossa individualidade e a aceitar a nossa diferença. Vale a pena recordar que, é na imperfeição que somos verdadeiramente amados. O outro ama-nos e nós amamos o outro na imperfeição. Logo, não precisamos lutar tanto por uma perfeição irreal, na esperança de que aí sejamos amados. O amor é mais simples que isso e existe nas coisas simples, na imperfeição ou no erro. Por vezes é só deixarmo-nos amar, como seres imperfeitos que somos.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.