No presente, é sempre difícil perceber o que ficará registado nos livros de História. As campanhas eleitorais, por exemplo, não entram nesse campeonato. Entrou a de Humberto Delgado, em 1958, por ter desafiado, sem medo, a candidatura do regime salazarista, protagonizada por Américo Tomás. Entrou também a de António Soares Carneiro, em 1980, durante a qual morreu o primeiro-ministro de então, Francisco Sá Carneiro.
Se tivesse lugar num manual de História de Portugal, a campanha que terminou no domingo, 24, só podia ser representada por uma imagem. A de Marcelo Rebelo de Sousa, de escova e secador em punho, a fazer um brushing a uma cabeleireira.
Não é pelo enquadramento, a luz ou a cor que a fotografia é um documento, é pelo momento de reportagem. Aquela imagem não foi fabricada em estúdio, nem pensada por nenhum realizador. Aconteceu. Foi um instante que não falhou ao repórter. E nela está tudo o que o ex-comentador representava antes de ser o Presidente eleito.
“Uma cabeleireira a pentear-se a si própria parece-me o cúmulo da solidão”, disse Marcelo Rebelo de Sousa ao entrar no salão em que a mulher se penteava sem ajuda, durante um dia de campanha passado entre Viana do Castelo, Guimarães e Braga.
Marcelo passou a campanha a pôr-se no lugar dos portugueses: o que vai engraxar os sapatos numa rua movimentada do Porto; o que compra o bilhete de comboio num guichet de Santa Apolónia; o que vende alheiras, pastéis de nata ou folhados atrás de um balcão; o que guia o seu próprio carro pelas ruas do País; o que tira fogaças do forno de padeiro. O exercício valeu-lhe a vitória à primeira volta, mas de nada terá valido se o que o novo Presidente viveu no País real não tiver eco em Belém.
Cavaco Silva também teve direito a belas imagens de campanha, de braços no ar no meio da multidão ou em cima do tejadilho de um carro a falar às massas. Também originou daquelas fotografias que as máquinas partidárias adoram porque ajudam a criar a dinâmica de vitória. Até foi apanhado pelas câmaras a beijar Maria nos lábios. Mas dez anos depois de ter sido eleito os seus níveis de aceitação entre os portugueses são os mais baixos de sempre. A familiaridade, aquela sensação de cara conhecida, nunca se perde, mas a popularidade sim. Porque reconhecer e reconhecimento não são sinónimos.