Os sistemas de justiça criminal variam em toda a Europa. Os diferentes sistemas estão enraizados em diferentes culturas jurídicas e não existe um modelo uniforme para todos os Estados.
No entanto, ao longo dos séculos, os diversos sistemas de justiça penal europeus foram absorvendo elementos importantes uns dos outros, de modo que hoje provavelmente não existem sistemas puros.
Pelo contrário, podemos afirmar que existe um grau de convergência elevado entre os vários sistemas, decorrente da necessidade de introdução de mecanismos eficazes de cooperação entre os Estados-membros da UE, que assentam no princípio da confiança mútua.
A convergência mais importante, e o que realmente une todos estes sistemas, é a exigência da independência do Ministério Público como pré-requisito para o Estado de direito e a independência do poder judicial.
Por conseguinte, uma vez que a independência e a autonomia dos serviços do Ministério Público constituem um corolário indispensável da independência do poder judicial, deverá ser ainda mais reforçada.
Tal como tem defendido o Conselho Consultivo dos Procuradores Europeus (CCPE) a disponibilização de recursos organizacionais, financeiros, materiais e humanos adequados contribui para garantir essa independência. Especialmente em tempos de dificuldades económicas, devem ser atribuídos recursos suficientes para que o Ministério Público prestar um serviço de qualidade.
Os procuradores devem dispor dos meios necessários e adequados para exercerem as suas missões, que são fundamentais para o Estado de direito.
Mas para além disso devem ter a possibilidade de estimar as suas necessidades, negociar os seus orçamentos e decidir como utilizar os fundos atribuídos de forma transparente, a fim de alcançar os objetivos de celeridade e justiça de qualidade.
O Estado Português continua a não cumprir esta recomendação do CCPE quanto ao Ministério Público, fazendo depender os meios necessários para o exercício das suas funções das opções políticas do Ministério da Justiça.
Nas medidas previstas no relatório que acompanhou o OE para 2023, nem uma única linha foi dedicada ao reforço dos meios do Ministério Público.
O Ministério Público Português é a nível Europeu aquele que assume maiores e mais diversificadas competências e que vão desde a jurisdição criminal, ao trabalho, à família, crianças e jovens, ao domínio do cível, execuções e insolvências, ao administrativo e fiscal, aos interesses coletivos e difusos.
Não obstante essa abrangência de competências, o certo é que o Governo decidiu não dedicar uma única linha, da sua estratégia de investimento na justiça, ao Ministério Público.
A análise do último relatório do Conselho da Europa, “European judicial systems CEPEJ Evaluation Report”, contendo dados sobre o investimento dos diversos Estados no sistema judiciário, revela que Portugal é dos que menos investe no Ministério Público e ao nível da própria União Europeia encontra-se nos três últimos lugares.
Para além disso e contrariando as recomendações do mesmo CCPE a remuneração dos magistrados do MP, no que concerne designadamente ao pagamento das acumulações de funções e das ajudas de custo, continua a estar na dependência da Direção Geral da Administração da Justiça, órgão do poder executivo, que tem agido de forma totalmente déspota, arrogante e arbitrária, ora não as pagando no tempo devido, como acontece com o pagamento das acumulações de serviço com anos de atraso; ou alterando o seu entendimento, sem que haja qualquer alteração legal ou regulamentar, como acontece com as ajudas de custo do quadro complementar, pagando em condições diferentes dos juízes, apenas porque os procuradores estão na sua dependência e os juízes já têm consagrada a sua autonomia financeira.
A autonomia financeira do Ministério Público não é uma questão despicienda ou um capricho, mas uma componente essencial para garantir a sua independência e a própria independência do sistema judicial, tal como vem defendendo o CCPE.
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