Listar e dar a conhecer todos os escritores brasileiros a viver atualmente em Portugal seria matéria para outro tema do JL. Se é certo que as relações literárias entre os dois países nem sempre foram intensas, esta presença brasileira em Portugal poderá vir a criar novos alicerces para uma ponte literária que sempre existiu.
E se até há bem pouco tempo se notava uma certa influência da literatura portuguesa no Brasil, sublinhada por críticos brasileiros nas suas colunas de opinião, neste momento parece que se verifica o inverso.
Nas páginas do nosso jornal, no ano passado, Miguel Real destacava justamente a qualidade dos romances que chegavam do outro lado do Atlântico, dando como exemplo o facto de duas das últimas três edições do Prémio Leya terem sido vencidas por autores brasileiros.
Se esse era o saldo à data da publicação do artigo, ele subiu para três nas últimas quatro edições, com a distinção de Não Há Pássaros Aqui, de Victor Vidal, que se juntou a Torto Arado, de Itamar Vieira Júnior, e A Arte de Driblar Destinos, de Celso José da Costa.
Pela sua natureza subjetiva, os prémios valem o que valem. Além disso, é preciso nomear as vitórias de obras portuguesas no Prémio Oceanos, aberto a toda a lusofonia, mas organizado por uma instituição brasileira: Alexandra Lucas Coelho, em 2022, com Líbano, Labirinto, Ana Teresa Pereira, em 2017, com Karen, e José Luís Peixoto, em 2016, com Galveias, só para referir os últimos dez anos e sem contar com segundos e terceiros lugares previstos no galardão.
A visibilidade da literatura brasileira atual foi recentemente reforçada, num contexto editorial muito difícil de penetrar como o dos EUA, com a atribuição do Nation Book Award para melhor tradução ao romance A Palavra que Resta, de Stênio Gardel.
As editoras
E a publicação? A língua partilhada nem sempre é o melhor amigo dos editores, a avaliar pelas apostas. Há quem fale nos obstáculos semânticos e sintáticos ou nos contextos geográficos e culturais tão distintos, justificações que nem sempre convencem.
Os autores brasileiros têm poucos leitores em Portugal? Há nomes que quebram essa desconfiança. Machado de Assis, como grande clássicos e romancista inventivo, Jorge Amado e Erico Veríssimo, dois dos autores brasileiros mais populares em Portugal ao longo do século XX, Rubem Fonseca, com a sua novela policial (e não só), Chico Buarque, pela literatura e pela música.
E muitos e grandes poetas, como Carlos Drummond de Andrade ou João Cabral de Melo Neto. Houve tentativas de editoras e coleções brasileiras, algumas de grande impacto, outras sem seguimento.
Alguns exemplos: a editora Livros do Brasil, fundada em 1944 e responsável pela divulgação de grandes autores brasileiros; as coleções da Cotovia, a “Sabiá” e a “Curso Breve de Literatura Brasileira”, esta dirigida por Abel Barros Baptista, professor e ensaísta que, com Clara Rowland, coordena atualmente a coleção da Tinta-da-China “Os Melhores deles”. Em parceria com a Academia Brasileira de Letras (ABL), a Glaciar lançou uma “Biblioteca da Academia”, tendo a Imprensa Nacional editado também vários poetas brasileiros contemporâneos.
A presença de editoras brasileiras a atuar no mercado português também contribui para uma aproximação entre o Brasil e Portugal. A Editora Gato Bravo, de Paula Cajaty, tem sido distribuída nas livrarias portuguesas e tem publicado autores nacionais no Brasil.
Igual trabalho e com maior impacto tem desenvolvido a editora Urutau, fundada por Waldimir Vaz. Outro exemplo é a editora Kotter, de Marcos Pamplona. Em comum, estas três chancelas têm o facto de serem dirigidas por poetas que vivem ou viveram temporadas em Portugal.
As livrarias
Se falamos em editoras, não podemos deixar de referir a Livraria Travessa de Lisboa, a primeira filial da cadeia fora do Brasil e que desde 2019 se tornou um polo central no circuito literário lisboeta, promovendo lançamentos e outras iniciativas, integrando ainda a programação de alguns festivais literários e não só.
No espaço, na Rua da Escola Politécnica (Príncipe Real), disponibiliza-se um conjunto muito significativo de títulos brasileiros, que complementam a oferta das editoras lusas. Destacam-se os catálogos e as edições cuidadas e originais de clássicos da literatura brasileira e universal.
Os autores
Uma ‘embaixada’ brasileira Além das editoras, dos prémios e das livrarias, é a presença de autores brasileiros que pode contribuir para um maior conhecimento da literatura que se faz do outro lado do Atlântico.
Neste campo, o primeiro nome a referir é o de Tatiana Salem Levy, a mais portuguesa das escritoras brasileiras, e vice-versa, característica nem sempre valorizada pelos dois países.
Filha de pais brasileiros exilados em Portugal durante a Ditadura Militar, nasceu em 1979, em Lisboa (onde vive há mais de 10 anos), e o seu primeiro romance, A Chave da Casa, teve a sua 1ª edição na Cotovia, em 2007, meses antes de sair na Record. Todos as suas narrativas estão publicadas em Portugal, também na Tinta-da-China e na Elsinore. Na próxima rentrée deverá sair o seu novo livro, Melhor não contar.
Outro nome em destaque é o de Rafael Gallo, que se mudou para Portugal após ter sido galardoado, em 2023, com o Prémio José Saramago, pela primeira vez atribuído a um inédito (Dor Fantasma).
Vencedor do Prémio Oceanos (na altura ainda chamado PT de Literatura) com Os Lados do Círculo (editado pela Caminho), Amílcar Bettega também vive atualmente entre nós, depois de ter passado por vários países. Além de tradutor, ministra uma oficina de conto em várias instituições e festivais portugueses.
Outro autor galardoado a viver aqui, neste caso no Porto: Alexandre Marques Rodrigues, que recebeu o Prémio Sesc de Literatura, em 2014, com Parafilias, edição portuguesa da Teodolito.
Há mais de 30 anos a viver em Portugal, o carioca Ozias Filho, poeta e fotógrafo, tem sido responsável por edições, leituras e outras iniciativas a envolver autores nacionais e brasileiros. Versátil é também o perfil de Álvaro Filho, com um percurso no jornalismo e na fotografia: vive aqui desde 2016 e aqui iniciou sua obra literárias.
Ronaldo Cagiano, já distinguido com um Prémio Jabuti (3.º lugar com o volume de contos Eles não moram mais aqui), mudou-se para Lisboa em 2017 e tem obra publicada na Coisas de Ler, Húmus, Gato Bravo e Urutau.
Sem viver em Portugal, mas com casa própria cá, onde passa várias temporadas: José Paulo Cavalcanti Filho, membro da ABL e autor de Fernando Pessoa. Uma quase autobiografia e Somente a verdade, ambos publicados pela Porto Editora.
Numa lista necessariamente vasta, e a explorar em próxima edição, outros nomes teriam de ser incluídos (aqui referidos a título de exemplo): Everton Machado, escritor e docente da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Eltânia André, um dos muitos nomes divulgados entre nós pela Urutau; Maurício Vieira e Mariana Portela, que se distinguem pelas suas performances poéticas; Luca Argel, que além de músico (ver inquérito) tem publicado poesia; e Celso Japiassu e José Guilherme Vereza, ambos publicitários, lançado pela Glaciar e pela Kotter, respetivamente; e Manuela Bezerra de Melo, poeta, contista e investigadora da Universidade do Minho. Eis novos pilares para uma ponte literária antiga e necessária.