Mais vale ser artificialmente inteligente, ou estruturalmente estúpido? O Fest de Espinho é uma convulsão de mundos com a ambição legítima de perscrutar o futuro. Tal faz-se através de uma seleção de filmes que valem mais por aquilo que poderão vir a ser, mas sobretudo por uma programação paralela de palestras e oficinas com profissionais do cinema dos mais diversos metiers. Por exemplo, este ano passou pelo festival David Thackeray, cuja profissão é ser coordenador de intimidades. Basicamente trata de criar as condições no set para que todos se sintam confortáveis quando são filmadas cenas de nudez e sexo.
O Fest tem ainda outra característica meritória: consegue cativar uma audiência com uma média de idades mais baixa do que a maioria dos festivais de música de verão. São sobretudo estrangeiros. Tal deve-se a um trabalho de divulgação juntos a escolas de cinema fora de Portugal, vendendo o festival como um pacote: a frequência de um espaço de formação com nomes importantes, e o desfrute do calor sempre outonal das praias de Espinho.
O festival preocupa-se com uma diversidade de perspetivas, mostrando diferentes forma de fazer e olhar para o cinema, indo além dos atores e realizadores que são, inevitavelmente, as figuras mais mediáticas. Não obstante, Kenneth Lonnergan, o realizador e argumentista de Manchester by the Sea, foi uma das grandes estrelas do festival. Na sua masterclass, em vez de dissecar a sua própria obra, comentou cenas de clássicos do cinema, de Chaplin a John Ford, com interesse, mas sem particular profundidade. A mensagem talvez seja: o futuro começa lá atrás.
Através dos oradores do festival, percebe-se que o cinema se encontra perante várias encruzilhadas, como revelou, por exemplo, Mark Coulier, um virtuoso mestre de caracterização, que falou do conflito entre o seu departamento e o de pós-produção digital.
O cinema é, desde a sua origem, uma arte tecnológica, pelo que o acolhimento dos avanços técnicos é inevitável. Sendo assim, como poderá o cinema rejeitar a Inteligência Artificial? Sami Arpa, um especialista em AI no cinema, encheu o ecrã de gráficos e exemplos, mostrando quanto a IA pode fazer. A palestra foi quase toda dedicada a uma perspetiva comercial, mostrando como a IA apura as fórmulas usadas há muito por Hollywood e pela Netflix . Quando foi confrontado com uma pergunta sobre o que poderá a IA fazer pela arte, pelo cinema de autor, Sami defendeu que a AI devia ser olhada como mais uma ferramenta de trabalho e de análise.
Gostaria de saber o que Sami diria a Nadine Labaki. A atriz e realizadora libanesa explicou, na sua sessão, que se envolveu tanto no processo criativo do último filme que quando acabou precisou de ajuda psiquiátrica. Usando um método naturalista, com não atores, filmou mais de 600 horas e demorou anos na montagem, à procura do filme (em película seria impossível). Talvez a IA extraísse uma dúzia de filmes daquela interminável rodagem. Mas será que conseguia encontrar Cafarnaum?