Por mais estranho que possa parecer, foi o choque petrolífero de 1973, responsável por inúmeras falências um pouco por todo o mundo, que viria a dar origem à Jular, uma das maiores empresas de construção de casas e estruturas em madeira em Portugal, com uma faturação superior a nove milhões de euros. Para contar a história temos de recuar 50 anos, quando Amaro Santos, um empresário ligado ao ramo da cerâmica, recebeu uma chamada do seu irmão, que vivia em Angola, onde tinha uma fábrica de construção de travessas de madeira para as linhas dos caminhos de ferro.
Na altura, o seu principal cliente era a África do Sul, mas o choque petrolífero daquele ano iria parar o desenvolvimento das linhas ferroviárias naquele país. Com o fim destes contratos, a madeira foi-se acumulando nas instalações da fábrica. Sem saber o que fazer a tanta madeira, ligou ao seu irmão a dizer-lhe que iria enviar, à consignação, um navio carregado de madeira para este a tentar vender em Portugal.
No dia em que chegou o primeiro navio ao cais de Xabregas, ainda Amaro Santos não sabia o que iria fazer com toda aquela carga, mas, pouco depois do navio atracar, foi abordado por um senhor que lhe perguntou qual o preço a que pretendia vender a madeira. Tratava-se de António Galvão de Melo, um dos maiores empresários portugueses do setor madeireiro.
Acertaram o preço e Galvão de Melo apenas lhe pediu uma condição: toda a madeira que chegasse de Angola teria de ser vendida em exclusivo a ele.

Ao longo desse ano, foram quatro os navios que chegaram a Portugal e Amaro Santos tornou-se um intermediário do negócio entre o seu irmão e o empresário português. Até que um outro evento viria a mudar toda esta história. O quinto navio chega a Portugal no dia 24 de abril de 1974, na véspera da Revolução, e com a atividade económica quase paralisada, a madeira ficou sem comprador. “Foi nessa altura que o meu pai se começou a dedicar verdadeiramente a este negócio”, recorda Hélder Santos, o atual presidente da Jular.
E se já tinha um problema entre mãos, acabou por ampliá-lo. “Devido à instabilidade e incerteza quanto ao futuro do País, o meu pai foi ao Brasil para estudar a possibilidade de levar para lá a família caso as coisas se complicassem por cá. Mas, quando regressou, trouxe com ele mais um navio carregado de madeira”, recorda.
Com tanta matéria-prima nas mãos, a Jular compra um terreno em Camarate e começa a produzir madeiras para a indústria do mobiliário, carpintarias e marcenarias.
A atividade foi prosperando e em 1986 decidem mudar-se para a Azambuja, onde investiram numa unidade fabril com serração, secagem e transformação de madeiras.
“Durante muitos anos, fornecemos ripas e vigas para as estruturas dos telhados, mas no princípio dos 90 fomos desafiados a montar os telhados das casas em vez de vendermos apenas a madeira”, lembra Hélder Santos.
A empresa deixava de ser um mero fornecedor do setor da construção, transformando-se num fabricante de estruturas. Foram acumulando conhecimento e experiência nesta área e, em 2005, decidem criar um departamento de construção modular de madeira.
Em 2008, ganham o primeiro grande projeto, a construção das casas do ZMar Eco Camping Resort, junto à Zambujeira do Mar, um empreendimento inovador na altura, com preocupações de sustentabilidade ambiental.
Depois desse, ganham outra grande encomenda de casas modulares em madeira em Angola. A empresa começava a prosperar, mas, no ano seguinte, Portugal é intervencionado pela “troika” e toda a atividade voltou quase à estaca zero.

Porém, o que parecia um problema acabou por se tornar uma oportunidade de internacionalização. “Para não ficarmos parados, decidimos ir para fora, tentar vender casas noutros países, nomeadamente Inglaterra, Suíça e França, onde hoje, a par de Angola, temos um dos maiores mercados externos”, afirma Hélder Santos.
O “boom” da madeira
Apesar de serem habituais noutras regiões do globo, como na América do Norte, na Escandinávia ou mesmo no Japão, a grande afirmação das casas de madeira nasce com um movimento iniciado no Canadá, que começou a revolucionar este negócio.
“No final dos anos 90, por iniciativa do governo canadiano, começou a trazer-se o conhecimento para a construção deste tipo de casas. Até ali, as estruturas eram de madeira maciça e sem qualquer incorporação de tecnologia. Com esta iniciativa, começou a investir-se muito, para se tirar o maior partido das vantagens deste material e eliminar ou minimizar as suas desvantagens. Surgiram o que hoje chamamos as madeiras engenheiradas”, explica o gestor.
Está provado que a maneira mais eficiente de voltar a aprisionar o carbono que libertamos para a atmosfera é construir em madeira
Isto é, são produtos homogéneos, fáceis de caracterizar, o que permite serem usados facilmente por projetistas, engenheiros ou arquitetos, tal como os materiais mais convencionais da construção civil. Anteriormente, estes profissionais tinham alguma dificuldade em trabalhar com a madeira, devido às diferentes características, desde o peso, a densidade e a resistência, entre muitos outros fatores. Este avanço permitiu também o desenvolvimento de software de projeto para as madeiras, tal como existia para o ferro ou o cimento, facilitando ainda mais a sua utilização.
Outra das grandes vantagens trazidas pela construção em madeira foi deslocar a obra do local de edificação para as fábricas. “Mais de 90% da obra fica pronta aqui nas nossas instalações, e só depois é colocada no local onde o cliente a pretende. Desta forma, conseguimos diminuir as imprevisibilidades que surgem nas obras e temos um maior controlo sobre o projeto, o que permite um melhor cumprimento dos prazos de entrega de obra”, conta Hélder Santos.
Segundo o gestor, esta produção em fábrica é uma grande vantagem, sobretudo quando as casas estão situadas em zonas onde escasseia a mão de obra especializada. “Por vezes, temos o pedreiro, o pintor, mas falta um ladrilhador, ou um canalizador, e a obra acaba por ficar parada. Na fábrica, temos todas as especialidades, não corremos esse risco”, justifica.
Por fim, e não menos importante, a madeira está a ganhar o seu espaço na construção civil, devido à cada vez maior consciência ambiental da sociedade.
“Está provado que a maneira mais eficiente de voltar a aprisionar o carbono que as últimas oito ou nove gerações libertaram na atmosfera é construir em madeira. É o único material de construção que tem um saldo de carbono negativo, ou seja, em vez de libertar carbono aprisiona. E tem um duplo efeito. Por um lado, retém o carbono e, por outro, evita a utilização de materiais de construção que o libertam”, esclarece Hélder Santos.

Mais procura
A grande maioria das encomendas das casas modulares é feita por empresas, sobretudo do setor hoteleiro. Além do ZMar, a Jular já efetuou trabalhos para o Hotel West Cliffs, na Praia de El Rei, perto da Lagoa de Óbidos, as Caju Villas, junto à barragem de Montargil, a Muda Reserve, na Comporta, ou o W Algarve Hotel & Residences. Mais recentemente, deram início à construção para o projeto Costa Terra, na Lagoa de Melides
“Trabalhamos muito com profissionais, equipas de arquitetura e temos alguns nichos em que o tipo de construção faz mais sentido, como os pequenos resorts, hotéis de menor dimensão, restaurantes de praia, entre outros. Gostamos de entrar nestes empreendimentos ainda na sua fase de conceção, desenhando um projeto que vá ao encontro do que o cliente procura”, salienta.
Um segmento de mercado que se desenvolveu muito na altura da pandemia, e que se tem mantido, são as microunidades hoteleiras. “Estamos a falar de famílias que decidiram sair dos centros urbanos e foram procurar outro estilo de vida fora das cidades, criando unidades hoteleiras com meia dúzia de alojamentos. E o nosso produto encaixa-se perfeitamente nestes casos devido à sustentabilidade, ao reduzido impacto visual que estas casas provocam nos terrenos e pela rapidez da sua instalação”, explica.
Segundo Hélder Santos, em Portugal existe cada vez maior procura por este tipo de casas para primeira habitação, sobretudo por parte de estrangeiros que decidiram vir viver para Portugal. “São sistemas de construção, normais nos seus países de origem, aos quais já estão habituados. Além disso, como não são residentes, faz todo o sentido terem apenas um único interlocutor em todo o processo de conceção e construção da casa”, afirma.
A interação do cliente com a Jular pode ser feita através de três modalidades. A primeira passa pela escolha de uma casa pelo catálogo da Jular, com várias opções de edifícios já concebidos. Outro método dá a opção do cliente construir a sua casa através da seleção de módulos predefinidos e, dessa forma, construir o lay-out pretendido. Por último, embora não seja tão procurado, a empresa ainda dá a opção dos seus clientes fazerem a casa de raiz à medida do que realmente pretendem.
Apesar da maior procura, as casas de madeira não são necessariamente mais baratas do que as de construção convencional. Hélder Santos admite que o preço por metro quadrado pode ficar cerca de 10% acima, mas alerta que, para que o saldo final fique bem feito, temos de levar em conta outros custos que, regra geral, não são contabilizados.
E dá exemplos: “A Comissão Europeia avalia o tempo de duração de um edifício convencional em 50 anos e um de madeira em 70 anos. Se formos fazer a amortização do investimento pelos anos de vida, a casa de madeira fica mais barata. Além disso, se um dia tivermos de destruir a casa para edificar outra, o processo de demolição da madeira não só é mais barato, como todo o material pode ser reciclado e gerar rendimento para o proprietário. E, como a madeira conserva melhor o calor, os custos energéticos futuros também serão mais baixos.”
Além das casas de madeira, a Jular desenvolve outras atividades relacionadas com este material. Um deles é a criação de estruturas para edifícios, sendo um dos melhores exemplos a pala em madeira do Centro de Arte Moderna da Gulbenkian, em Lisboa, ou o Pavilhão Inovação da Feira Internacional de Lisboa.
“Gostamos de fazer esse tipo de trabalho, que implica alguma criatividade de engenharia. Um dos melhores exemplos foi a estrutura que desenvolvemos para a cimeira da NATO, entre a FIL e o Pavilhão Atlântico. Foi pensada para ser montada em três semanas e desmontada em duas. A solução foi idealizada para que os painéis fossem facilmente desmontados para serem usados noutras obras”, explica.
Outra das áreas de atividade importantes da empresa são as madeiras decorativas, como os pavimentos, decks, revestimentos de fachadas, entre outros. Mais recentemente, começaram um projeto de aproveitamento das madeiras antigas retiradas dos edifícios que estão a ser remodelados na Baixa de Lisboa.
Apesar do crescimento da procura por este tipo de casas, ainda existem algumas dúvidas sobre a sua durabilidade e fiabilidade por parte da população. Hélder Santos responde que basta olhar para o exemplo de alguns dos países mais desenvolvidos do mundo, que ainda hoje usam a madeira na construção, como é o caso do Canadá, da Suíça, Japão ou da Escandinávia.
E se dúvidas existirem, o edifício mais antigo do mundo ainda em utilização, o templo Horyu-ji, no Japão, tem mais de 1 400 anos e é feito todo em madeira, e uma boa parte dela ainda é a original.
Artigo publicado na EXAME nº 487 de janeiro de 2025