Duas semanas. Foi o suficiente para fazer com que a economia europeia sofresse o maior tombo trimestral das últimas décadas. A quebra do PIB nos primeiros três meses do ano foi de 3,5% na União Europeia e de 3,8% na Zona Euro, em relação ao trimestre anterior. E os danos foram sofridos principalmente na segunda metade de março, quando os países europeus implementaram medidas de confinamento para tentarem travar o avanço da pandemia de Covid-19.
Esses dados foram divulgados pouco antes da reunião desta quinta-feira do Banco Central Europeu (BCE). A presidente da autoridade monetária, Christine Lagarde, prevê uma recessão sem precedentes. Mas a dimensão do tombo é incerta e está dependente de alguns fatores, como a eficácia e a vontade dos governos europeus em responder a esta crise.
“Dada a elevada incerteza a envolver a extensão da quebra económica, os cenário para o crescimento produzidos pelo staff do BCE sugerem que o PIB da Zona Euro pode cair entre 5% a 12% estes ano, dependendo de forma crucial da duração das medidas de contenção e do sucesso das políticas para mitigar as consequências económicas para empresas e trabalhadores”, afirmou Christine Lagarde na conferência de imprensa que se seguiu à reunião de política monetária desta quinta-feira. A presidente do BCE admitiu que no segundo trimestre a economia da Zona Euro poderá sofrer um rombo de 15%.
Para mitigar o efeito desta destruição económica sem precedentes, o BCE anunciou financiamentos ilimitados aos bancos da Zona Euro. Vai pagar-lhes uma taxa de entre 0,50% e 1% para que usem essa liquidez para a direcionar à economia real. Isto poderá ajudar a banca a ter lucros significativos quando emprestar este dinheiro às empresas e famílias. Frederik Ducrozet, economista da Pictet Wealth Management, estima que “isto possa resultar numa transferência líquida de até três mil milhões de euros para o setor bancário ao mesmo tempo que se assegura o financiamento da economia real”.
A aposta do BCE passa por garantir que os bancos têm dinheiro disponível e o incentivo certo para apoiarem empresas e famílias. “É óbvio que o BCE está a tentar apoiar a economia da Zona Euro principalmente através de se assegurar de que há liquidez suficiente e a condições extremamente favoráveis para o setor bancário, já que este é essencial para disponibilizar crédito à economia real”, considera Carsten Brzeski, economista do ING, num relatório.
BCE pronto a acelerar compras
Além de dinheiro ilimitado para o sistema financeiro, Lagarde explicou algumas das medidas que o BCE tomou para poder combater a crise. Depois da gaffe na reunião de março, em que disse que a função do banco central não era fechar diferenciais de taxas de juro, agora a presidente da autoridade monetária garante que há flexibilização total nas ferramentas que se podem utilizar para mitigar o efeito da crise na economia e nos mercados de dívida. Garantiu que não será tolerada uma “fragmentação”, ou seja, uma diferença elevada das condições financeiras e dos juros da dívida pública entre diferentes países da Zona Euro.
Além do programa de compras normal, de 20 mil milhões de euros por mês, o BCE anunciou em meados de março um programa de compra de ativos devido a emergência pandémica, que pode ir até aos 750 mil milhões de euros até final do ano. Lagarde sinalizou que este apoio poderá ter mais poder de fogo e estender-se até 2021.
No entanto, alguns analistas esperavam que o BCE anunciasse já uma revisão em alta destes programas. “É desapontante que o BCE não os tenha aumentado para reduzir as tensões nos mercados de dívida soberana. Estes são o maior risco atual para os mercados financeiros da Zona Euro e poderiam ser facilmente reduzidos, pelo menos na duração da crise, pelo BCE”, considera Andrew Kenningham, economista da Capital Economics.
O Grande Confinamento e as medidas lançadas pelos governos para mitigar o impacto da pandemia deverão levar a uma subida dos défices orçamentais e da dívida pública. E os países com contas públicas mais frágeis, como Itália, têm sentido a pressão. Os investidores exigem quase 1,8% para emprestar dinheiro ao tesouro italiano. Em fevereiro pediam menos de 1%. E têm existido momentos de tensão no mercado, como quando a taxa das obrigações do país superou a fasquia de 2,5%, pressão que só foi aplacada com o anúncio do novo programa de compra de ativos devido a emergência pandémica.
Além de não se ter detalhado em concreto um aumento do ritmo das compras, havia alguma expectativa de que o BCE oficializasse que iria começar a comprar dívidas classificadas como “lixo” pelas agências de rating. Isto depois de a Fitch ter cortado recentemente a notação de Itália para apenas um patamar acima desse território. O mais provável é que a severidade da crise possa originar ondas de cortes de rating da dívida de Estados e empresas e que o banco central tenha de começar a incluir também esses títulos nos seus programas.
À espera de Bruxelas
Lagarde reiterou que o BCE está disponível para fazer tudo o que for necessário para apoiar os cidadãos da Zona Euro durante esta crise. Mas voltou a pedir reforços a outras instituições europeias e aos governos. “São necessários esforços contínuos e ambiciosos, através de ações políticas conjuntas e coordenadas, para controlar os riscos e para sustentar a recuperação”. A líder da autoridade monetária elogiou o pacote de apoio de 540 mil milhões aprovado pelos líderes europeus e pelo acordo para se trabalhar num fundo de recuperação que permita relançar a economia do Velho Continente.
Mas Florian Hense diz que “o BCE está a fazer figas para que os líderes da UE complementem a resposta monetária num futuro não muito distante”. O economista do banco de investimento Berenberg prevê que o banco central espere até junho para decidir eventuais novas medidas, de forma a avaliar como evoluem as discussões dos responsáveis da UE sobre a resposta económica à crise. A não ser, claro, que apareçam novamente problemas sérios nos mercados de dívida, como no meio de março, que forcem o BCE a agir rapidamente.