Who’s gonna die tonight? Uh! Uh! The horrible jew! Horrible jew, you’re gonna die tonight! [Quem vai morrer esta noite? Uh! Uh! O horrível judeu. Horrível judeu, tu vais morrer esta noite] É ao som de músicas como esta que num armazém enclausurado numa rua sem saída em Olival de Basto, Odivelas, a apenas seis minutos de distância a pé de uma esquadra da PSP, cabecilhas e seguidores dos Portuguese Hammerskins (PHS) – vinculados à fação mais perigosa do movimento internacional de extrema-direita, os Hammerskin Nation – celebram o seu ódio aos judeus, aos negros e aos imigrantes e discutem estratégias de expansão do movimento skinhead antes liderado por Mário Machado. No local, conhecido entre os militantes da organização como skin house, a Unidade Nacional de Contraterrorismo (UNCT) da Polícia Judiciária (PJ) encontrou a
8 de novembro um arsenal de armas e de material de propaganda dos hammerskins, durante a operação que terminou com a detenção de 21 homens suspeitos de agressões, posse de armas, crimes de ódio e discriminação racial e sexual praticados sobre duas dezenas de vítimas entre 2013 e 2015.
A música que apela à violência contra os judeus é um original dos Ódio, a mais conhecida banda nacional-socialista formada por portugueses. Mas desde 2015 que quem a interpreta nos convívios dos cabeças-rapadas são os Blood in Blood Out, também conhecidos como BIBO entre os apreciadores de música RAC (do movimento musical Rock Against Communism – Rock Contra o Comunismo), com letras que espelham os princípios do nacional-socialismo e do fascismo. Sem canções originais, o grupo tem levado o reportório dos Ódio – com músicas que defendem a “Criança Branca”, apelam à “Morte aos Traidores” e falam das “mulheres brancas, traidoras amaldiçoadas” que “até à forca serão levadas” por se envolverem com liberais – a concertos na Alemanha, Espanha, Itália, França, Grécia e Portugal.
Dois elementos da banda já se assumiram como membros dos hammerskins e um terceiro como hangaround (candidato à entrada na organização). Numa entrevista ao site das Women for Arian Unity (Mulheres pela União Ariana), defendem que o comunismo foi “a pior praga ou vírus que alguma vez assolou a Humanidade”, que a sociedade multiculturalista é “um dos motivos da destruição dos povos Europeus brancos” e que “pseudonacionalistas de Facebook e de café” são “desperdícios de oxigénio”.
Em Portugal, concertos de bandas como esta têm-se transformado no principal palco de recrutamento de skins e divulgação da sua ideologia. Em tempos, a maior montra dos hammerskins foi o grupo 1143 [data da fundação de Portugal], que integrava a Juventude Leonina e ocupava o topo sul do Estádio de Alvalade. Mas, desde que a PSP passou a estar mais atenta à violência no futebol, o movimento teve de procurar outras formas mais discretas de captação de seguidores.
Depois da megaoperação da PJ de 2007 – que levou à condenação de Mário Machado, ex-líder da Frente Nacional e fundador dos Portuguese Hammerskins, e de outros 35 skinheads – ninguém queria estar debaixo dos radares das polícias.
O pico da violência skin coincidiu com o episódio trágico de 1995. Alcino Monteiro, cabo-verdiano, foi espancado até à morte numa noite em que 50 skinheads espalharam o terror no Bairro Alto. Alguns foram condenados, mas nem assim o movimento sucumbiu. Até 2007, os seus seguidores nem sequer agiam com grande recato. Era fácil encontrar em fóruns na internet relatos de ódio e de agressões regulares contra negros ou indianos. Essa prova acabaria por ser fundamental para a PJ sustentar os indícios de ofensas corporais, posse ilegal de armas, distribuição de propaganda nazi e discriminação racial que conduziriam à cadeia Mário Machado e seis outros elementos da extrema-direita.
Em 2014, Machado – que nessa altura julgava estar prestes a sair da prisão – quis fundar um novo partido político. Anunciou o seu afastamento dos PHS, expressou a vontade de “expulsar” aqueles que chamava de “criminosos travestidos de nacionalistas” e reduziu a organização a apenas dez membros. Os próprios skins julgavam estar a assistir a um declínio dos ideais nacionalistas: “Atualmente não vemos grande desenvolvimento no movimento skinhead verdadeiro nem grande interesse por parte de gerações mais novas, que andam claramente distraídas com coisas mais fúteis”, disse a banda Blood in Blood Out em entrevista. Todos tinham passado a olhar para o movimento como um grupo pequeno e fragmentado, que não reproduzia em ações violentas os seus extremismos ideológicos. Mas as notícias sobre a morte dos skins eram exageradas…
Mais propaganda, mais militantes
O cenário começou a mudar em 2013. Nesse ano, o Relatório Anual de Segurança Interna frisou um aumento “do número de atividades direcionadas para o interior do movimento [skinhead], como encontros convívio e concertos” que contribuiriam “essencialmente para estreitar laços entre militantes e difundir propaganda”. Em 2015, o relatório que agrega os números da criminalidade voltou a sublinhar a existência de “um elevado dinamismo nas atividades do movimento skinhead neonazi (concertos, encontros)”, com “impacto direto no crescimento do número de militantes”. Mas sem que essa movimentação se refletisse em “ações violentas”, sublinhava o documento.
Não era verdade. O grupo já não tinha a dimensão de há duas décadas, já não ia para as bancadas dos estádios e já não destilava orgulho nas suas ações pelos chats e fóruns online. Mas pelo meio dos encontros, convívios e concertos também cometeria crimes de ódio. Entre 2013 e 2015 pelo menos vinte pessoas – entre negros, muçulmanos, homossexuais e comunistas – terão sido agredidas por elementos dos hammerskins. Em dois casos, a PJ e o Ministério Público encontraram indícios de tentativas de homicídio. De forma mais ou menos silenciosa, o grupo tinha voltado a organizar-se.
Numa noite de agosto de 2014, junto ao Teatro São Carlos, em Lisboa, um grupo de dez cabeças rapadas agrediu a soco, a pontapé, com garrafas de vidro e navalhas vários jovens ligados ao movimento LGBT: uma das vítimas foi perfurada três vezes no tórax e uma no abdómen. Em 2015, na Praça da Alegria, registaram-se novas agressões motivadas por discussões homofóbicas. Conta-se outra dezena de casos semelhantes: num deles, um skin terá tentado queimar e apagar um cigarro na cara de uma das vítimas. Quase todas as agressões violentas aconteceram na zona da Baixa Lisboeta e nas laterais da Avenida da Liberdade. Uma exceção ocorreu em Benfica, quando alguns skins seguiram um rapaz negro que conheciam do Bairro Alto até àquela zona da cidade. Quando saiu do autocarro, às seis da manhã, o rapaz foi agredido brutalmente com facas e objetos de ferro. Sobreviveu por milagre.
Outra agressão às portas do Coliseu de Lisboa viria a causar danos cerebrais irreversíveis noutra vítima. Era um dia simbólico para os skins, que tinham passado aquela tarde de setembro de 2015 numa concentração contra os refugiados junto à Assembleia da República, a levantar cartazes e bandeiras com símbolos neonazis e a exibir t-shirts a dizer “Refugees not welcome” (Refugiados não são bem-vindos). Uns seguiram para a Baixa, outros para o Bairro Alto. Dos que seguiram para a Baixa, oito cruzaram-se com militantes do PCP que saíam de um comício no Coliseu de Lisboa. Gritaram-lhes palavras de ódio e começaram a espancá-los.
Fontes ligadas à investigação do processo estão convencidas de que o grupo esteve adormecido desde a prisão de Mário Machado e de outros skinheads, em 2007. Que os sobreviventes apanharam um susto e passaram por um período de indefinição, sem que conseguissem organizar uma nova liderança. E que só ressuscitaram porque foram à boleia da crise dos refugiados e de um discurso racista e xenófobo vindo sobretudo da Áustria, da Hungria e da Alemanha, que reacendeu o ódio aos imigrantes.
A última operação de buscas descobriu caçadeiras e outras armas de fogo, munições, catanas, soqueiras, bastões, gás pimenta, very lights. Entre os detidos estão seguranças privados, um guarda-prisional, estudantes e desempregados. A maior surpresa é que muitos são jovens sem antecedentes criminais. Em saídas noturnas, terão sido submetidos a ritos de iniciação: tinham de agir com violência contra as minorias para serem admitidos no movimento.
Outros já eram velhos conhecidos da PJ e do Ministério Público. Dois já tinham sido condenados a penas a rondar os 15 anos de prisão pelo homicídio de Alcino Monteiro, e outro, o novo cabecilha do grupo (Bruno Monteiro), foi condenado a uma pena suspensa pelas agressões a um estudante que pintava um mural antifascista na Faculdade de Letras de Lisboa e chegou a ser julgado no Tribunal de Loures por suspeitas de pertencer a uma rede (liderada por Machado) que sequestrava e torturava compradores de droga. Acabou absolvido. Trabalha como segurança e já foi responsável pela Juventude Nacionalista do Partido Nacional Renovador (PNR), tendo representado os jovens do partido na “Convenção das Juventudes Europeias”, na Alemanha, em 2007. Nos últimos anos foi traído pelo antigo líder – Mário Machado escreveu uma carta à companheira de Bruno, uma das mulheres simpatizantes dos Portuguese Hammerskins, a ameaçá-la de morte caso não lhe entregasse 30 mil euros.
O cadastro de Mário Machado
O ex-líder dos skinheads portugueses esteve envolvido no homicídio de Alcino Monteiro, liderou uma rede que sequestrava compradores de droga, ameaçou antigos companheiros e até uma procuradora
1997 – Condenado a quatro anos e três meses de prisão pelo envolvimento no homicídio de Alcino Monteiro, no Bairro Alto, a 10 de junho de 1995.
2006 – Condenado a três anos de prisão, com pena suspensa por quatro anos, por ter entrado, em 2003, no escritório de um advogado para lhe cobrar uma alegada dívida.
2008 – Condenado a quase cinco anos de prisão efetiva por discriminação racial, ameaças, coação agravada, ofensa à integridade física, dano e posse ilegal de arma.
2009 – Mais sete anos e dois meses de prisão por crimes de sequestro, roubo e coação. Algumas das vítimas foram sujeitas a tortura.
2010 – Condenado a oito meses de prisão efetiva por difamação agravada da procuradora Cândida Vilar. Mas foi absolvido do crime de ameaça, de que estava acusado por ter apelado aos companheiros nacionalistas que não se esquecessem da magistrada que coordenou as investigações contra os skinheads.
2014 – Anunciou a sua saída dos Portuguese Hammerskins, dizendo que o movimento já só era um caso de polícia. Pensava estar prestes a sair da prisão e queria fundar um novo partido. Mas foi apanhado a cometer novos crimes: ameaçou de morte a companheira de Bruno Monteiro, novo cabecilha dos skins, tentando extorquir-lhe 30 mil euros. Foi condenado a dois anos e nove meses de prisão.
(Artigo publicado na VISÃO 1237, de 17 de novembro)