Não é pequeno o auditório da freguesia sadina de São Sebastião, mas as cerca de três centenas de pessoas que o encheram este domingo, no primeiro dia de campanha da CDU com João Ferreira como substituto de Jerónimo de Sousa, deram a sensação que arrancar ali para duas semanas de estrada foi uma aposta ganha dos comunistas e dos verdes – já que não cabia mais uma agulha no espaço.
Parte da caravana já vinha do coração do Alentejo, onde durante a manha o líder parlamentar comunista, João Oliveira, deu o pontapé de saída. Durante a tarde, o testemunho foi passado ao outro João, o João Ferreira, que aproveitou a moldura entusiasmada em Setúbal para desferir duros ataques ao PS – não só pelo que não fez em seis anos de Governo, como por estar há dois meses a apontar o dedo à esquerda pela crise que atirou o País para eleições.
Mais: o antigo eurodeputado e agora candidato nas listas por Lisboa acenou com o risco de se os socialistas ganharem e repetirem uma gestão estilo Guterres – “negociada com o PSD peça à peça”, pode voltar a assistir-se a uma repetição de um tempo que não deixa boa memória segundo os comunistas – desde “a revisão constitucional, que juntou o PS e PSD em 1997, e alterou as regras do trabalho e desregulou os horários de trabalho”, até ao “impulso das PPP [parcerias público-privadas]”. Por isso, uma das metas da coligação do PCP com o PEV é a luta contra a abstenção: “ninguém pode ficar em casa no dia 30, à exceção daqueles que possam ir já no dia 23 votar”.
“Uma força que viu, em 2015, aquilo que os outros não viram“
João Ferreira – que falou depois da cabeça de lista por Setúbal, Paula Santos, e do anfitrião, o dirigente dos Verdes e presidente da Câmara de Setúbal, André Martins – começou por mostrar que as recentes declarações de Costa nos debates, principalmente naquele frente a Rui Rio, são “uma falácia”. “Ao contrário do que querem tentar convencer, como aconteceu exatamente em 2015, isto não é uma eleição para primeiro-ministro“. “Vemos alguns a fazer um escorço sobre os entendimentos, os arranjos e arranjinhos sobre depois das eleições. Independentemente dos arranjinhos, o que se vai decidir nestas eleições é a constituição da Assembleia da República”, disse, elencando o caderno de medidas que a CDU levou para a mesa de negociações com o PS antes do chumbo do orçamento, a começar pelo aumento do salário mínimo, mas também do médio – através de propostas de reposição de direitos laborais.
“A subida dos salários é uma medida de urgência nacional. O PSD tem uma ideia mirifica que não é preciso medida nenhuma, que é a de transformar o Pais num paraíso das multinacionais e dos salários baixos. E o PS fala de 900 euros lá para 2026. Mas é aqui, e agora [em 2022], que os trabalhadores têm salários baixos”, alertou, criticando quem fala que um aumento do salário mínimo nacional provoca um esmagamento do salários médios. “O salário médio não é fixado por decreto, mas daquilo que o faz subir o PS foge”, acrescentou.
Para João Ferreira, “António Costa vai repetindo que foi precipitado atirar o Pais para eleições, mas foi uma responsabilidade sua”. O dirigente comunista lamentou a “sobranceria de quem pede uma maioria absoluta” e vai para o debate com Rui Rio fazer a “apresentação da mesma proposta de orçamento que não recolheu os votos” no Parlamento.
“A falácia das contas certas tem perna curta”, disse, sobre os bons resultados económicos com que Costa tem acenado, assim como alertou para o risco “da solução à Guterres”, em que o PS “aprovou orçamentos com o PSD ou com o CDS, neste caso com um deputado do queijo limiano”.
João Ferreira fez ainda questão de lembrar que foi Jerónimo de Sousa que, nas legislativas de 2015 e perante o facto de uma vitória eleitoral do PSD/CDS contra uma derrota de António Costa, lançou o repto de que os socialistas só não governariam se não quisessem. Por isso, é altura de dar o crédito a quem o merece; o PCP. “Mudamos o curso da história, que na altura alguns estavam a escrever e outros não nos perdoam por isso. É o tempo daqueles que nos reconhecem este papel. Foi esta força que, em 2015, viu aquilo que os outros não viram. E como é fundamental ver-se aquilo que os outros não veem“.
Já antes de Ferreira, Paula Santos e André Martins tinha aflorado semelhantes teses; sendo que a deputada do PCP salientou em tom de desafio aos apoiantes que “é prioritário o contacto” de rua por parte da militância.
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