No verão de 2001, as notícias no estado do Ceará, no Brasil, e também em Portugal focavam-se no crime hediondo ocorrido na Praia do Futuro, em Fortaleza, areal que acompanha a Avenida Beira-Mar, com a habitual feira de artesanato, com centenas de barraquinhas, ao longo de seis quilómetros.
Seis empresários portugueses tinham desaparecido e sido enterrados vivos, acimentados num buraco da cozinha da barraca de praia Vela Latina. Ao mesmo tempo, a escassos três quilómetros do local do crime, continuavam as obras de construção do primeiro hotel do grupo português Vila Galé no Brasil.

“Somos viciados em abrir hotéis novos. Acompanham-me pessoas que comungam desta minha loucura. Um prazer que se transforma em vício”
Em Fortaleza, terra onde “de dia, há um sol para cada um”, o português Jorge Rebelo de Almeida, advogado e empresário, era chamado às televisões brasileiras para falar sobre a região e como iria continuar a investir no turismo no Brasil. Faltavam menos de dois meses para a inauguração, a 5 de outubro de 2001, do resort urbano com 300 apartamentos, piscina, restaurantes, salões e centro de convenções, a meia hora do Aeroporto Internacional Pinto Martins.
Passaram-se 24 anos e o Vila Galé manteve a operação de vento em popa no destino onde deu início à sua internacionalização, com mais unidades em Salvador da Bahia (2004), Marés – Guarajuba (2006), Cabo de Santo Agostinho (2009), Angra dos Reis (2009), Cumbuco – Caucaia (2010), Rio de Janeiro (2014), Touros – Rio Grande do Norte (2018), São Paulo (2020) e Alagoas (2022).
Entretanto, ainda na América Latina, o Vila Galé já se instalou em Cuba, na região dos Cayos, em novembro de 2023, e também na Europa, em Espanha, na Isla Canela, Huelva, em maio de 2024, com dois resorts para estadas em regime tudo incluído.
Quartos com banda sonora
No Ceará, o maior destino de turismo do Nordeste do Brasil e o preferido pelos brasileiros para passar férias, o litoral corre de leste para oeste, o que faz com que o mar seja aberto nos 573 quilómetros de costa. A média de temperaturas de 32ºC no ar e de 28ºC na água do mar, com chuvas ocasionais noturnas ou de manhã bem cedo, transformou Caucaia na meca mundial de kitesurf e de outros desportos de vento e mar – um fenómeno orgânico no que ao turismo diz respeito. As correntes, o fundo do mar pedregoso, a bandeira vermelha ou amarela a maior parte dos dias e os ventos a soprarem entre agosto e outubro são imprescindíveis para os atletas que ali treinam antes de competirem.
A dois quilómetros do Vila Galé Cumbuco, próximo das dunas da Costa do Sol, inaugurou, em novembro de 2024, o Vila Galé Collection Sunset Cumbuco, um investimento de 12,4 milhões de euros (80 milhões de reais).
Enquanto o mais antigo, de 2010, focado em famílias com crianças, tem 550 quartos, sete restaurantes, várias piscinas e spa em regime tudo incluído, o irmão mais novo, o 11º hotel da marca no Brasil, o primeiro da gama Collection naquele país, é mais pequeno, mais calmo e com ambiente diferenciado. São 116 quartos de seis tipologias divididos por pequenas vilas em terracota, com serviço à carta ou em regime de meia pensão, spa, piscina ao ar livre com passagem direta para a praia, entre o Atlântico e a lagoa do Cauípe, ideal para apreciar o pôr do sol.
“O Brasil é um país com potencial tremendo em termos de desenvolvimento turístico, porque tem um leque de possibilidades de oferta extraordinário”, assegurava Jorge Rebelo de Almeida na mais recente inauguração, referindo-se à diversidade cultural, paisagística, gastronómica e artística do país.
A construção do Collection Sunset Cumbuco demorou um ano, mas antes passaram-se outros 12 meses para a aprovação e o licenciamento do projeto, “com tanta ou mais burocracia do que em Portugal”. “De cada vez que há uma medida para simplificar, surgem logo mais duas ou três para complicar. Este hotel foi um projeto muito sofrido. As pessoas falham muito, parece haver agora menos compromisso”, desabafa o empresário hoteleiro, uma das pessoas mais ricas País, com uma fortuna que ascende a mais de 980 milhões de euros.
Durante a construção, os maiores constrangimentos estiveram relacionados com as infraestruturas (instalação de rede elétrica, de gás, água e esgotos). “O tempo é muito importante na vida dos negócios, principalmente em turismo. O que é certo hoje pode estar desatualizado daqui a seis meses. Muda-se de ideias, de gostos, o projeto fica desatualizado”, justifica Jorge Rebelo de Almeida.
Há uma necessidade urgente de criar transporte aéreo [no Brasil], mais ligações internacionais e domésticas
Jorge Rebelo de Almeida, presidente do grupo Vila Galé
“Somos viciados em abrir hotéis novos. Acompanham-me pessoas que comungam desta minha loucura. Um prazer que se transforma em vício”, orgulha-se o fundador do Vila Galé, este ano também condecorado pelo Presidente da república do Brasil, Lula da Silva, com o grau de comendador da Ordem de Rio Branco, concedido pelo Ministério das Relações Exteriores a personalidades que projetam o país no plano internacional em vários setores, desde o empresarial à sociedade civil, à cultura ou ao desporto.
O Collection Sunset Cumbuco é dedicado à música, à criada nos anos 1960, com quartos decorados com a imagem de bandas, músicos e compositores, como The Beatles, Rolling Stones, Elton John, David Bowie, Nancy Sinatra, Elis Regina, Tom Jobim ou Vinicius de Moraes. “Defendo que turismo e cultura devem andar juntos. Vivemos um tempo de conflitos latentes, guerras em direto. O turismo é a indústria de paz e amor”, sublinhou Jorge Rebelo de Almeida. Em cada um dos 116 quartos está disponível um QR Code para se descarregar e ouvir uma música do homenageado.
Mais voos, mais turismo
A quarta maior cidade brasileira em termos de população – Fortaleza, com cerca de 2,5 milhões de habitantes, depois de São Paulo (11 milhões), Rio de Janeiro (seis milhões) e Brasília (2,8 milhões) – tem a mais-valia de ficar próximo da Europa, à distância de sete horas de voo, ter um clima fantástico o ano inteiro e ser relativamente segura. “Quanto maior é a cidade, maior a probabilidade da existência de gangues e de rivalidades entre eles. Mas Fortaleza é uma cidade bastante tranquila”, analisa Pedro Ribeiro, diretor de marketing e vendas do grupo.
“Noto que a cidade se desenvolveu muito na última década, graças a receber as sedes de várias indústrias”, acrescenta, dando como exemplos o Grupo Pague Menos, rede de farmácias de Francisco Deusmar de Queirós, a indústria M. Dias Branco, líder nacional em massas e biscoitos, e o Grupo Jereissati, a maior rede de shoppings do Brasil, entretanto radicado em São Paulo.
Jorge Rebelo de Almeida lembra-se bem de como era ser turista-empresário-investidor há duas décadas no Brasil. Por exemplo, conseguir alugar um carro não estava à distância de uma aplicação no smartphone, era “um desastre, assustador”. Na construção civil, as obras eram feitas com elevação de cordas, não havia gruas.
Para que novos investimentos sejam feitos no país, o presidente do Vila Galé analisa os problemas em torno do transporte aéreo, na ligação à Europa. “É caro e tem de ser melhorado. Assim como apareceram as companhias low cost na Europa e revolucionaram o setor, falta esse momento no Brasil. Continua a ser mais barato a partir da Europa ir de férias para as Caraíbas, o México ou a República Dominicana. Há uma necessidade urgente de criar transporte aéreo, mais ligações internacionais e domésticas”, alerta.
Apesar de a TAP fazer voos diretos para 12 cidades brasileiras (14 rotas, de Lisboa e Porto), o preço dos bilhetes não é democrático. “O transporte aéreo é extremamente caro da Europa para o Brasil, mas também dentro do país. É um verdadeiro obstáculo. Na ligação à Europa, os preços estão elevadíssimos. Há uma necessidade urgente de criar uma política de transporte aéreo que ajude o turismo. Sem transporte aéreo não há turismo.”
Para Jorge Rebelo de Almeida, sendo Portugal um porto de abrigo para empresas brasileiras entrarem na Europa e em África, deveria existir uma maior interligação entre os dois países. A privatização dos aeroportos no Brasil é, na sua opinião, um caso de sucesso, mas não defende a privatização total do que deve ser público, como a EDP ou a TAP em Portugal, prefere a privatização parcial para afastar a ingerência política. Definindo-se como um social-democrata – “não sou liberal” –, o empresário diz ser preciso analisar caso a caso.
Check-in na Amazónia
Nos próximos três anos, o Vila Galé prevê abrir mais sete hotéis no Brasil, com investimentos de mais de 90 milhões de euros (580 milhões de reais). O mercado português é muito forte na época do réveillon, com lotação esgotada devido aos voos charters, mas 92% dos clientes são brasileiros e os restantes 8% são portugueses, espanhóis, argentinos e chilenos. “Há Estados que nos oferecem terrenos para investir”, confessa Jorge Rebelo de Almeida.
O mercado brasileiro representa 40% a 45% no total da receita do grupo. “Por incrível que pareça, ganhamos mais dinheiro em Portugal do que no Brasil, porque a carga fiscal no Brasil é superior à de Portugal e os constrangimentos fiscais também”, resume.
Em abril de 2025, a equipa do Vila Galé faz as malas rumo a Minas Gerais para, no dia 12, abrir as portas do Collection Ouro Preto, projeto com forte carácter histórico. “Ouro Preto é uma joia. A Igreja de São Francisco é fabulosa”, lembra.
“O mineiro é uma pessoa muito especial, que nunca fala mal do seu estado, por vezes até exagera. ‘Não é Minas que tem falta de mar, é o mar que tem falta de Minas’”, brinca Jorge Rebelo de Almeida.
Será o primeiro hotel regional num edifício construído em 1779, no distrito de Cachoeiro do Campo, para ser a morada do Regimento Regular de Cavalaria de Minas Gerais, albergando a primeira coudelaria do cavalo lusitano na então chamada América Portuguesa e onde também funcionou o Colégio Dom Bosco.
O investimento superior a 18 milhões de euros (120 milhões de reais) ocupará 285 hectares e terá 311 quartos, três restaurantes, um bar, cinco piscinas aquecidas, spa, centro de convenções com capacidade para 1 200 pessoas, capela, biblioteca, sala de jogos, horta pedagógica, lago com tirolesa, além de áreas de plantação de vinha e olival.

Este é um solo com potencial para a produção de vinhos e azeites, tal como o grupo já faz em algumas unidades hoteleiras em Portugal.
“Estamos bastante entusiasmados com o projeto vinícola em Ouro Preto e com a oportunidade de trabalhar em terras mineiras. A nossa expectativa é, em alguns anos, brindar com um vinho produzido em Minas Gerais, com o selo de qualidade da Vila Galé”, disse à imprensa brasileira a enóloga Marta Maia, responsável pelos vinhos Casa de Santa Vitória, produzidos em Portugal, quando visitou Cachoeiro do Campo.
Com os olhos postos em Belém, no Estado do Pará, que de 10 a 21 de novembro de 2025 acolhe a realização da COP30 – a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas, o Vila Galé quer fazer parte da iniciativa que vai atrair à região cerca de 70 mil pessoas. O hotel Collection Amazónia está a ser construído dentro de três antigos armazéns do Porto Futuro II nas margens da baía do Guajará, em Belém, e prestará homenagem à Mulher nos seus 206 quartos, dois restaurantes, bar, biblioteca, spa com piscina aquecida e coberta e três piscinas exteriores, incluindo uma infantil equipada com parque aquático.
Ganhamos mais dinheiro em Portugal do que no Brasil, porque a carga fiscal no Brasil é superior à de Portugal e os constrangimentos fiscais também
Jorge Rebelo de Almeida, presidente do grupo Vila Galé
Num investimento de 28 milhões de euros (180 milhões de reais), os armazéns, com mais de dois mil metros quadrados cada, manterão o formato horizontal, preservando a integridade arquitetónica original, assim como a volumetria, sem causar impacto na paisagem e cumprindo as normas ambientais.
Em meados de 2026, no Estado de Alagoas, onde inauguraram um resort em 2022, está previsto abrirem duas novas unidades: Collection Coruripe (144 quartos) e Vila Galé Nep Kids (gama do grupo dedicada às crianças), com 252 apartamentos, cinco restaurantes, centro de convenções e spa.
Os planos do Vila Galé no Brasil expandem-se a longo prazo com o Collection São Luís e o Collection Maranhão. A antiga Defensoria Pública e a Casa do Maranhão vão ser revitalizadas e transformadas em hotéis, após um investimento de 16,5 milhões de euros (105 milhões de reais).
Entretanto, o hotel administrado pelo Vila Galé há 15 anos na área metropolitana de Recife, estado de Pernambuco, foi comprado pelo próprio grupo, ganhando a insígnia Vila Galé Eco Resort do Cabo, em Cabo de Santo Agostinho, um negócio de 9,6 milhões de euros (62 milhões de reais).
No futuro, há intenções de construir um hotel em Mangue Seco, estado da Bahia, e outro no Inhotim, em Brumadinho, a cinco minutos de carro da entrada deste museu de arte contemporânea e jardim botânico, com 254 quartos. Todos os projetos representam mais algumas centenas de postos de trabalho a juntarem-se aos 3 500 diretos e aos 12 500 indiretos já criados no Brasil. E
*A EXAME viajou a convite do grupo Vila Galé e da TAP
24 000
Camas espalhadas pelos cerca de 9 800 quartos dos 45 hotéis
Com 11 hotéis abertos no Brasil, ao longo das últimas duas décadas, o Vila Galé tem vindo a aumentar a sua oferta de alojamento, dos resorts em regime tudo incluído aos da gama Collection
> QUARTOS
Fortaleza 300
Salvador da Bahia 224
Marés – Guarajuba 576
Cabo de Santo Agostinho 300
Angra dos Reis 321
Cumbuco Resort 537
Rio de Janeiro 292
Touros – Rio Grande do Norte 514
São Paulo 108
Alagoas 492
Cumbuco Collection 16
TOTAL 3 780
> PRÓXIMOS QUARTOS
Ouro Preto – Minas Gerais 311
Belém – Pará 206
Alagoas 144
São Luís 67
Maranhão 45
TOTAL 773
> PRÓXIMOS INVESTIMENTOS (milhões de euros)
Ouro Preto – Minas Gerais 18
Belém – Pará 28
Alagoas 31
São Luís + Maranhão 16,5
TOTAL 93,5
Artigo publicado na Exame nº 487 de janeiro de 2025