“Os portugueses sabem do que estou a falar”, repetiu estafadamente André Ventura no debate que o opôs a Pedro Nuno Santos, esta terça, 15, em horário nobre e canal aberto. A frase é uma espécie de muleta, uma bengala na qual o líder do Chega apoia o seu discurso, quer seja coerente ou não. Às vezes, pela entoação e pelos decibéis, parece que André Ventura vê nela uma espécie de aforismo de significado oculto, mas a pergunta que fica deste debate é: saberão mesmo os portugueses lá em casa do que André Ventura está a falar?
Eis, portanto, a dúvida. Que se coloca em qualquer debate com o líder do Chega. Desde logo porque se assiste a uma escalada sem fim, sempre em torno dos mesmos temas. Para esta noite, frente a um candidato que, segundo as últimas sondagens, pode vir a vencer as eleições, André Ventura conseguiu misturar economia e emigração na tese da “invasão em curso”, juntando a entrada de trabalhadores, a maioria indispensáveis ao país, e a entrada de produtos “que vêm da China, da Índia, do Paquistão ou do Mercosul”.
Esteve bem, Pedro Nuno Santos, ao colocar o Chega no campo em que ele deve ser visto: o do medo. “André Ventura e o Chega mentem sistematicamente sobre a emigração porque precisam de um inimigo para existir, precisam do medo”, defendeu o líder do PS, numa frase que, advinha-se, poderá vir a ser repetida durante a campanha. De resto, Pedro Nuno Santos foi capaz de desmontar muita da argumentação de André Ventura e nunca caiu na tentação de responder na mesma moeda e, em particular, no mesmo tom.
“Debater com o PS irrita-me”, chegou a atirar o líder do Chega quando foi chamado à atenção para respeitar as regras do debate e, calcanhar de Aquiles, as pessoas lá em casa. Claro que, num rol de acusações, André Ventura por vezes acertou no alvo e criou dificuldades a Pedro Nuno Santos. Não na já muito repisada passagem pelo governo e tutela da TAP, da CP e da Habitação, para as quais, a bem ou a mal, há resultados e argumentos a apresentar, mas na sempre difícil mudança de liderança e na nova hierarquização de prioridades. De António Costa para Pedro Nuno Santos várias coisas se alteraram e para o debate foram lançadas as mudanças de posição no IUC (agora a favor da descida) e do Cabaz de IVA Zero (recusado em outras oportunidades).
Mas fazer valer as críticas a um adversário pelas novas posições que trouxe para o seu programa eleitoral é pouco, e André Ventura não foi capaz de mais. Apenas repisou argumentos conhecidos, no seu estilo também habitual, e não poucas vezes foi apanhado fora de pé, ele que talvez se imagine, nestes confrontos, sempre em águas seguras.
Na moderação que tem vindo a ser reconhecida pela generalidade dos comentadores, Pedro Nuno Santos soube concentrar-se nas propostas do PS, sem deixar de apanhar as contradições do líder do Chega. Foi curioso e inesperado ouvi-lo acusar André Ventura de não garantir o cumprimento das penas dos criminosos com a sua obsessão pela expulsão dos emigrantes; foi cómico quando sugeriu que o seu adversário não percebia o “básico” da economia ou mostrar sobre ela uma enorme “incompreensão”; e foi eficaz na inversão do discurso moralista do Chega, sempre com o dedo apontado aos outros quando, dentro de portas, é “muito seletivo nas limpezas”.
Num frente-a-frente sempre difícil, que muitas vezes resvala para a cacofonia, Pedro Nuno Santos teve o mérito de conseguir debater com o líder do Chega, desmontando alguns dos seus argumentos, e apresentar as suas propostas. André Ventura, por seu turno, perdeu mais uma oportunidade para mostrar que é um político com mais recursos e líder de um partido com mais políticas. Talvez quando estiver lá em casa, a rever o debate, consiga perceber do que estamos aqui a falar.
A Picardia
André Ventura – “Parece que estou a falar com um homem que não tem nada a ver com o PS e os seus anteriores governos”.
Pedro Nuno Santos – “Tenho muito orgulho nos governos do PS que fizeram coisas boas, outras que precisam de ser melhoradas.
Com motosserra?”
Comigo vai ser assim, cortar a direito.” André Ventura
É fazer as contas
“A bancada parlamentar com mais casos na justiça é a do Chega.” Pedro Nuno Santos