O comunicado da PSP descreve um crime insólito. “O Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, através da 5.ª Divisão Policial, no dia 07 de outubro, pelas 19H05, na freguesia das Avenidas Novas, em Lisboa, deteve um homem, de 29 anos de idade, durante uma manifestação que se encontrava a decorrer em frente ao Centro Comercial El Corte Inglês, por ser suspeito da prática do crime de roubo por esticão”, lê-se no e-mail enviado às redações. A descrição faz parecer que um leitor criminoso não tinha resistido ao impulso de roubar uma obra que ansiava ler. Mas a história é bem mais complicada do que o comunicado oficial faz parecer.
O caso aconteceu no dia 7 de outubro, em frente ao El Corte Inglés, para onde vários coletivos de apoio à causa palestiniana tinha convocado uma concentração de protesto. Lá dentro, Henrique Cymerman apresentava o livro “O Enigma de Israel”, numa sala a que só puderam aceder convidados ou jornalistas devidamente identificados.
Patrícia Baptista Nabiço, ativista do Occupy for Gaza tinha pensado entrar na sala para confrontar Cymerman – há décadas correspondente da SIC e da TVE em Israel – com o que considera serem erros no que escreveu. A impossibilidade de entrar na sala e a longa fila para autógrafos fizeram-na mudar de planos. Mas ainda comprou o livro de Henrique Cymerman antes de se juntar à concentração, que tinha sido comunicada à Câmara de Lisboa, como determina a lei.
Quando chegou à porta do centro comercial, conta Patrícia Baptista Nabiço à VISÃO, viu “uma mulher brasileira a insultar” quem discursava. “Começou a gritar “terroristas, é Israel quem nos vai salvar”. A ativista diz que nenhum dos 10 polícias que nesse momento faziam um cordão na zona se aproximou para intervir. Dois dos manifestantes, com megafones na mão, foram para perto da mulher gritar palavras de ordem pela Palestina.
Foi, então que segundo Patrícia, uma segunda mulher, “com um livro de autoajuda na mão”, se aproximou de um ativista e “o agrediu com o livro”. Patrícia Baptista Nabiço assegura que a reação do ativista foi calma. “Não foi agressivo. Tirou-lhe o livro das mãos, para não continuar a ser agredido e foi colocá-lo junto a uma árvore, no chão”. A ativista garante que estava a uns dois metros da cena e que nenhum polícia se aproximou para impedir as agressões com “o calhamaço” de autoajuda.
Apesar disso, a ativista garante que nesse momento apareceram mais uns 10 agentes, dessa vez da Polícia da Intervenção, e que “um polícia à paisana começou a puxar os cabelos do ativista e a gritar ‘este gajo vai preso’”.
No meio da confusão ainda houve quem se tivesse aproximado da senhora a quem pertencia o livro para o devolver. Mas ela terá recusado recebê-lo das mãos de manifestantes. “Ninguém roubou um livro”, assevera Patrícia Baptista Nabiço.
A versão do comunicado é esta: “O suspeito foi intercetado em flagrante delito por um polícia empenhado no policiamento da manifestação, após ter sido observado a puxar um livro da mão de uma transeunte que passava pelo local. O suspeito tentou de seguida ocultar o objeto roubado, escondendo-se entre os restantes participantes na manifestação, tendo sido imediatamente intercetado e detido pelos polícias no local. O objeto furtado, um livro, foi recuperado e restituído à legítima proprietária”.
Livro rasgado foi comprado
Patrícia Baptista Nabiço continuou na concentração. Pegou no livro de Cymerman que comprou e do qual tem recibo e leu uma passagem sobre a proclamação do Estado de Israel, que defende estar errada por se tratar de uma declaração que deu origem a uma ocupação do território palestiniano. Depois de a ler, rasgou a página dessa passagem e convidou quem estava presente a rasgar o que quisesse do livro que tinha comprado. “Foi só isso que aconteceu. O livro é meu. Consultei todas as leis. Não há nada que diga que isso é ilegal”.
Segundo o comunicado da PSP, o suspeito do tal roubo por esticão “recolheu às salas de detenção desta Polícia, a fim de ser presente à Autoridade Judiciária, para sujeição a 1.ª interrogatório Judicial e aplicação das respetivas medidas de coação, foi-lhe aplicada a medida de coação de Termo de Identidade e Residência”.