“Temos a certeza que nenhum dos nossos associados esteve presente nessas referidas manifestações espontâneas”, diz à VISÃO Bruno Gonçalves, da associação Letras Nómadas, uma das associações de ciganos visadas nas declarações de André Ventura que, em reação à investigação de que está a ser alvo por alegadas declarações xenófobas contra esta comunidade, apontou o dedo às organizações que, em seu entender, não repudiaram atos de violência de que diz ter sido alvo durante a campanha das legislativas.
Bruno Gonçalves assegura que as associações que representam os ciganos em Portugal se demarcaram desses protestos. Para o provar, mostra uma notícia publicada no Expresso, no dia 10 de maio. O título é: “Associações de ciganos processam Ventura pelo ‘discurso de ódio’, mas dizem que manifestações contra o Chega são espontâneas’”.
Nesse texto, Gonçalves afirmava que os protestos “não têm nada a ver com as associações”, mas são “legítimos, porque as comunidades estão muito cansadas”. E defendia que esses protestos só ajudariam Ventura. “Fazer manifestações ainda lhe dá mais votos, porque adora vitimizar-se”, afirmava Bruno Gonçalves ao Expresso, anunciando ter avançado com queixas-crime no Ministério Público por mensagens “de teor racista” e a “incitamento ao ódio” que o líder do Chega publicou nas redes sociais. “Vamos usar os instrumentos do Estado de direito, em que todo o prevaricador tem de ser alvo da justiça”, declarava.
O dirigente associativo diz agora à VISÃO que as queixas foram entregues no dia 17 de abril, muito antes dos protestos em que Ventura foi alvo de alegados ataques por parte de membros da comunidade cigana.
Mais uma vez, Bruno Gonçalves repudia as generalizações. “Durante uma entrevista conduzida por José Alberto Carvalho, ao ser confrontado com os casos do Chega, André Ventura respondeu com uma pergunta: ‘Se o José Alberto Carvalho for roubar um carro, é a TVI a responsável?’, insinuando assim, que o partido não se pode responsabilizar pelos seus militantes ou deputados. Da mesma forma, estas associações ciganas, não podem ser responsabilizadas pelos comportamentos de alguns cidadãos ciganos…”, argumenta.
Bruno Gonçalves diz estar apreensivo com o aumento de casos de ataques verbais e agressões a ciganos depois do resultado eleitoral que reforçou a representação parlamentar do Chega. “Estamos muito preocupados. Há já vários relatos. Há uma desumanização total dos ciganos”, critica, notando que, ao contrário do que afirma o dirigente do Chega, a comunidade cigana está longe de ser privilegiada em Portugal. “Em média, os ciganos vivem menos 12 anos do que a generalidade dos portugueses. Isso tem que ver com vários fatores, entre eles a iliteracia, a falta de acesso a educação e saúde. São problemas que em 500 anos não conseguimos resolver”.
Queriam eliminar-me a mim e à minha família”, diz Ventura
Na sequência da abertura do inquérito por parte do Ministério Público, André Ventura deu uma conferência de imprensa para anunciar que irá apresentar à Justiça as ameaças que recebeu.
Ventura afirma ter sido “ameaçado de norte a sul” durante a campanha eleitoral, tendo mesmo sido alvo de lançamentos de material pirotécnico, que “passaram a centímetros” do deputado. “Queriam eliminar-me a mim e à minha família”, acusou.
Esta quarta-feira, em entrevista à TVI/CNN, André Ventura voltou a visar os ciganos. “Não quero tirar direitos a ninguém. Quero é que todos cumpram os mesmos deveres que têm que ser cumpridos em Portugal. Não quero que ninguém tenha privilégios por ser cigano: não tem que ter casa por ser cigano; não tem que ter um regime especial na justiça e poder casar com 13 anos por ser cigano”, disse.
Ciganos sem regime especial
Como concluiu o jornal Polígrafo, não é verdade que os ciganos tenham algum regime jurídico especial que lhes permita casar antes da idade legal. De resto, a comunidade cigana não recebe nenhum apoio específico, acendendo a apoios sociais, como o RSI, de acordo com a condição de recursos, como qualquer outro português. Segundo dados de 2019, apenas 3,8% dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção eram de origem cigana.
Para contribuir para a ideia de que os ciganos são privilegiados, o Chega tem feito eco nas redes sociais de um projeto em Amarante de habitação para ciganos que viviam em barracas, aprovado em 2025. Apesar de haver programas específicos para albergar comunidades ciganas em zonas em que estavam a viver sem condições mínimas de habitabilidade, na generalidade dos bairros sociais em que vivem os ciganos acedem às habitações seguindo o mesmo procedimento que outros portugueses que se candidatam a receber essas casas.