Tal como a VISÃO adiantara na sua edição de quinta, 3, Diogo Pacheco de Amorim é o escolhido de André Ventura para o lugar de vice-presidente da Assembleia da República. Uma vontade que , no entanto, deve esbarrar na nega da esmagadora maioria dos deputados. Mas quem é este homem da “velha direita”, curtido nos combates universitários e do processo revolucionário que já substituíra o deputado do Chega para que este pudesse candidatar-se à Presidência da República?
Aos 72 anos, Diogo Pacheco de Amorim, o neto de um monárquico íntimo de Salazar e sobrinho do fundador dos extremistas do Partido do Progresso no pós-25 Abril, é considerado uma espécie de “ideólogo” do Chega, do qual é vice-presidente. Mas o seu papel na definição identitária do partido e o seu perfil não são consensuais. Quando substituiu Ventura na AR, alguns dirigentes temeram que a sua militância na direita armada do Movimento Democrático de Libertação de Portugal (MDLP) em 1975 e a alegada inaptidão para tribuno fragilizassem o partido nos acesos debates parlamentares. Algo que não se confirmaria.
O que pensa Diogo?
A 29 de fevereiro de 2020, quando o líder apresentou a candidatura em Portalegre, Diogo também subiu ao palco: citou Sá Carneiro – “a política sem ética é uma vergonha” – e prometeu a André Ventura fazer tudo para dignificá-lo, quando chegasse a hora de substituí-lo.
Licenciado em Filosofia pela Universidade de Coimbra, onde partilhou trincheiras políticas com o advogado José Miguel Júdice, Diogo Pacheco de Amorim rejeita o rótulo de extremista de direita. Define-se antes como “conservador liberal”. Católico, tem vários familiares ligados ao movimento religioso Comunhão e Libertação, com grande influência político-financeira no país de origem (Itália), mas também em Portugal.
Diogo Pacheco de Amorim reserva um papel secundário para o Estado, reduzindo-o às funções de Defesa, Justiça e Política Externa. No resto, vê-o como regulador e árbitro, quase sem mão na Economia. É a favor de uma redução fiscal drástica, do princípio do cidadão “utilizador-pagador” e do desmantelamento do aparelho burocrático da administração pública e pela eliminação de incentivos, subsídios, apoios e benefícios que, na sua perspetiva, só devem ser garantidos a pessoas em situação de absoluta incapacidade de subsistência. No caso da Saúde e da Educação, o provável substituto de Ventura no Parlamento considera que o Estado só deve estar presente nas áreas geográficas onde o setor privado não queira fornecer esses serviços. O dirigente do Chega defende mesmo a extinção do Ministério da Educação, “uma tecnoestrutura blindada pelo PCP e BE, impossível de ser penetrada e reformada por qualquer ministro”, conforme é relatado no livro do investigador Riccardo Marchi, A Nova Direita Anti-Sistema – O Caso do Chega, para o qual Diogo foi entrevistado.
De acordo com o programa do Chega, de que foi o principal autor e no qual reproduziu partes da declaração de princípios do Partido da Nova Democracia (PND), liderado por Manuel Monteiro, do qual foi também dirigente, Diogo apoia a “despolitização” do ensino e atribuiu às famílias o primado da transmissão de valores sociais às crianças. Segundo ele, a escola deve preocupar-se em consolidar os “valores culturais e civilizacionais judaico-cristãos» e cívicos, entre eles “a disciplina e o respeito pelos mais velhos, pelos professores, pela autoridade”. Para Diogo, a família natural é “heterossexual” e o Estado deve desincentivar casamentos e adoções por casais do mesmo sexo.
A nível internacional, o vice-presidente do Chega foi próximo das teses da Frente Nacional de Jean-Marie Le Pen – já gosta menos da renovação do ideário entretanto assumido pela filha, Marine Le Pen – e embora discorde da vertente estatista do Fidesz, partido do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, é um admirador deste líder político que tem assombrado os alicerces democráticos da União Europeia.
Diogo é também um partidário da saída de Portugal da ONU, organização que, na sua visão do mundo, se tornou “uma agência de divulgação do marxismo cultural e do globalismo massificador”. Quanto à concessão de cidadania portuguesa, não tem papas na língua: “Imigração ilegal, nem pensar. Imigração legal, sim, são bem-vindos. Vêm para trabalhar, porreiro. Vêm para viver à conta da Segurança Social, esqueçam”.
O passado presente
Se estas posições são, à partida, um rastilho no Parlamento, o percurso político de Diogo Pacheco de Amorim é também potencialmente explosivo. Embora negue qualquer ligação às atividades militares do MDLP nos tempos de brasa do pós-revolução, Diogo esteve no setor político do movimento liderado pelo antigo Presidente da República, António Spínola, que coordenou e promoveu centenas de atentados bombistas e assaltos a sedes de partidos e organizações de esquerda naqueles primeiros anos de liberdade, alguns dos quais resultaram em mortes, como foi o caso do padre Max e da estudante Maria de Lurdes, na Cumieira, em Vila Real.
Do Movimento Independente para a Reconstrução Nacional (MIRN), de Kaúlza de Arriaga, um dos ultras da ditadura, à clandestinidade do MDLP, que contou com vastas e poderosas ramificações políticas, policiais, militares, religiosas e financeiras, a militância extremista de Diogo Pacheco de Amorim contagiou a sua veia poética. É dele a autoria do poema Ressurreição, hino nacionalista cantado por José Campos e Sousa, em cujos versos o vice-presidente do Chega deixa uma imagem elucidativa do rasto então deixado em várias zonas do País: “E já ardem bandeiras vermelhas / Nos campos há gritos de guerra / Nas trevas da noite há centelhas / Das rosas em festa da terra”.
Antigo jornalista do semanário O Diabo e do diário O Primeiro de Janeiro, Diogo foi representante, em Portugal, da revista Nouvelle Écolle, orgão da Nova Direita francesa. Assessor do Vice-Primeiro Ministro Diogo Freitas do Amaral no 1º Governo da AD e Chefe de Gabinete do Grupo Parlamentar do PP entre 1995 e 1997, o dirigente do Chega está hoje ligado à área da consultoria imobiliária, embora não se lhe conheça grande atividade, pelo menos nos últimos cinco anos. Depois de ter substituído Ventura no lugar de deputado, a indicação de Diogo Pacheco de Amorim para “vice” da Assembleia é outra bomba. Pelo menos desta vez, não no sentido literal.