No início da semana, o rodopio de reuniões entre o Governo e os partidos à esquerda que o sustentam na Assembleia da República havia chegado a um impasse. No Bloco de Esquerda, aguardava-se pela conclusão das negociações com a Comissão Europeia, que decorreram durante todo o fim de semana em Lisboa. Só na quarta-feira o Governo se encontrou de novo com os partidos, para os informar das alterações ao Orçamento duramente negociadas com Bruxelas. Entre os bloquistas esperava-se que as alterações feitas recaíssem sobre o aumento da receita por via do imposto de selo, produtos petrolíferos e tabaco, mantendo um orçamento que permitisse a “recuperação de rendimento”. Para permitir uma aproximação às exigências de Bruxelas, discutia-se, nas últimas reuniões, uma nova contribuição sobre a banca, o agravamento do imposto sobre os automóveis e medidas relacionadas com a reavaliação dos ativos das empresas.
João Galamba, porta-voz e membro do Secretariado Nacional do PS, garantia à VISÃO que, das negociações com Bruxelas, não resultaria “nenhuma alteração aos pontos fundamentais já acordados”. Pedro Nuno Santos, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, é quem assegura, por parte do Governo, as reuniões políticas com os partidos que apoiam o Executivo. “É o pivô de todas as negociações: coordena e articula os encontros com os partidos”, refere João Galamba.
Do lado do Governo, não existe uma regra para estas negociações. Acontecem de acordo com as necessidades e a qualquer hora. No que diz respeito ao OE, o ministro das Finanças e os seus secretários de Estado são peças-chave à mesa, mas também foram chamados deputados especialistas em diversas matérias. Além disso, também aconteceram encontros entre Pedro Nuno Santos e governantes das mais variadas pastas para troca de ideias e que, depois, são usadas nas reuniões com os partidos.
Da parte do BE, existem ainda encontros setoriais, mantidos desde que foi celebrado o acordo que permitiu a Costa tomar posse. Conforme as áreas, participam diferentes deputados: Mariana Mortágua é certa nas reuniões com as Finanças, Heitor de Sousa participa nas dos Transportes, Moisés Ferreira nas da Saúde e Joana Mortágua nas da Educação, por exemplo. As reuniões de natureza mais política são asseguradas por Jorge Costa, deputado e dirigente do Bloco. O PS considera estas reuniões bilaterais parte do trabalho que está a ser desenvolvido com os partidos da esquerda. “Há divergências, mas são normais, o importante é que não são de conflito”, nota João Galamba.
PCP e BE, nada de misturas
O método de trabalho manteve a separação das águas existente desde que António Costa tomou posse: o Governo é o pivô das reuniões com o Bloco, com o PCP e com “Os Verdes”. Os três partidos nunca se reúnem em simultâneo com a equipa governamental, desde que os acordos foram assinados em separado: nem mesmo para a preparação do Orçamento.
Os encontros setoriais entre o BE e o Governo foram permitindo acertar agulhas, tendo o trabalho realizado nesse âmbito sido usado para dar forma ao draft orçamental. Neste documento, com o ADN do Bloco, encontra-se a reposição salarial ou a atualização das pensões, enquanto a reposição do Complemento Solidário dos Idosos é uma medida com a marca do PS. As divisões em relação aos dois partidos assentam sobretudo nas políticas para a supervisão do setor bancário.
Após a redação do OE, o Governo deverá apresentar os cinco grupos de trabalho acordados com o Bloco de Esquerda. Num anexo à posição conjunta assinada com o BE, foi combinada a formação de equipas que produzirão relatórios semestrais sobre precariedade (com a intenção de criar um plano nacional de combate), pensões não contributivas e combate à pobreza, dívida externa, custos e política de habitação e tributação do património imobiliário. A VISÃO sabe que a lista de nomes do Bloco de Esquerda já foi entregue e inclui, além de deputados e militantes do partido, independentes com perfil mais técnico. No início da semana, era garantida a não presença do PCP nestes grupos de trabalho (recorde-se que o acordo de António Costa com os comunistas não os previa), embora se contasse com a presença de “Os Verdes” em alguns.
Os tais Pedro Nuno Santos, Carlos César e Mário Centeno (da esquerda para a direita) foram essenciais na negociação com os partidos do primeiro Orçamento do Estado de António Costa
Momentos quentes
22 de janeiro
A Comissão Europeia (CE) recebe o esboço do Orçamento do Estado (OE) para 2016; O Conselho de Finanças Públicas diz que as previsões macroeconómicas do draft “apresentam riscos relevantes”.
26 de janeiro
A CE envia uma carta ao ministro das Finanças a pedir explicações sobre a previsão de descida do défice estrutural em 0,2%, quando o ajustamento recomendado por Bruxelas era de 0,6%.
28 de janeiro
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental diz que várias “medidas extraordinárias não cumprem os requisitos para serem identificadas como tal”.
1 de fevereiro
A porta-voz da Comissão Europeia refere que “há grandes diferenças” entre as posições do Governo e Bruxelas.
2 de fevereiro
Sexta-feira, dia 5, o Orçamento é entregue em mão a Ferro Rodrigues na Assembleia da República