“Não podia estar melhor para Guterres”, resume o jornalista da revista Foreign Policy, Colum Lynch. Mas, acrescenta, “isso é neste momento, tudo pode mudar ainda”.
O processo de seleção do secretário-geral das Nações Unidas tem pouco de transparente. Além de não se saber quais foram os países que votaram “sem opinião”, podem ainda surgir novos candidatos. Os russos, por exemplo, poderão estar à espera do melhor momento para avançar com novos nomes.
Daí a cautela do repórter norte-americano, que, ainda assim, enfatiza a boa prestação de António Guterres: “Não se esperava que se saísse tão bem no início, mas neste momento é considerado pelas suas boas capacidades políticas, carisma e profundo conhecimento das Nações Unidas”.
A ideia de que talvez tivesse uma personalidade demasiado forte para ser aceite pelo Conselho de Segurança parece também ter-se esbatido. Mas nada disso significa que a votação de amanhã traga boas notícias ao ex-primeiro ministro português.
Mesmo assim, António Guterres continua bem posicionado para continuar na corrida. O ex-líder socialista não só tem vindo a ultrapassar todos os obstáculos do complexo processo de seleção, como se tem destacado em relação aos outros candidatos (ver caixa). De tal forma que, na última votação, no final de julho, foi o único sem pareceres negativos. O engenheiro que, nos anos 90, pôs fim a dez anos de cavaquismo e foi primeiro-ministro por duas vezes, conseguiu do Conselho de Segurança 11 votos a favor e três abstenções.
De acordo com o sistema instituído pelo Conselho, nesta fase, os quinze países que se pronunciam podem “encorajar”, “não encorajar” ou “não ter opinião” sobre os candidatos. Na última fase de seleção, o português foi o único sem votos contrários. Um feito destacado por vários órgãos de comunicação estrangeiros, como a BBC ou a Reuters.

A apresentação da candidatura de Guterres na ONU, em abril
KENA BETANCUR
Se a escolha já tivesse terminado, Guterres seria secretário-geral das Nações Unidas a partir de janeiro de 2017. Mas a decisão de uma organização que engloba 193 países é complexa e muita coisa pode ainda acontecer. Por isso mesmo, a candidatura daquele que foi Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados durante dez anos, até Dezembro de 2015, tem sido apoiada pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, que estará a fazer lobby nos corredores da diplomacia.
Amanhã, 5 de Agosto, os quinze países – cinco membros permanentes (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França) e Angola, Egipto, Japão, Malásia, Nova Zelândia, Senegal, Espanha, Ucrânia, Uruguai e Venezuela – deverão voltar a mostrar pouco apoio aos proponentes de alguns países, o que encurtará ainda mais a lista de candidatos. No final desta decisão, que seleciona por exclusão, deverão ficar entre três a cinco nomes. E muitos especialistas acreditam que Guterres será um deles.
Durante muito tempo argumentou-se que a vontade de entregar, finalmente, o cargo a uma mulher – nunca aconteceu nos 70 anos da organização, onde 80% dos funcionários são homens – seria o principal entrave à eleição de António Guterres. Mas a verdade é que, até agora, são dois homens os melhor posicionados: além do político português, destaca-se o esloveno Danilo Turk.
Este processo de exclusão pretende reduzir as hipóteses de escolha até se chegar a um nome que o Conselho proporá à Assembleia Geral da ONU depois do verão.
Na página oficial da candidatura, Guterres, 67 anos, apresenta-se com o lema: “Uma vida dedicada ao serviço público”. Lembrando que foi responsável por uma organização humanitária (ACNUR) com 10 mil profissionais, enaltece o trabalho da organização, que terá triplicado durante o seu mandato. O papel do português à frente do apoio aos refugiados ganhou visibilidade com a crise humanitária vivida nas fronteiras europeias nos últimos anos. Até porque o número de pessoas deslocadas devido a conflitos passou de 38 milhões em 2005 para 60 milhões em 2015. A este propósito, o engenheiro da Beira Baixa defendeu, em julho, que “dizer não aos refugiados muçulmanos é a melhor propaganda para o Estado Islâmico”.
Melhor aluno do Liceu Camões, com 18 valores, melhor aluno de Engenharia Eletrotécnica, no Instituto Superior Técnico, terminando com 19 valores, António Guterres tem agora pela frente a maior prova da sua vida. Se se sair bem, como aconteceu nos desafios académicos, será o primeiro português a liderar a instituição política mais global do planeta.
A votação de amanhã poderá ser mais um passo nesse sentido. Mas não é o último.
Quem está ainda na corrida
A votação costuma ser eliminatória. A anterior, em julho, não levou ninguém a desistir, mas espera-se que a de amanhã reduza a lista de finalistas. Para já, além de António Guterres, estão ainda na corrida 10 candidatos. Os mais fortes são:
– Danilo Turk, ex-presidente esloveno, 11 votos positivos, dois negativos e duas abstenções
– Irina Bokova, búlgara, diretora-geral da UNESCO, 9 votos positivos, quatro negativos e duas abstenções
– Srgjan Kerim, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros macedónio, 9 votos positivos, cinco negativos e uma abstenção
– Vuk Jeremic, ex-ministro dos Negócios Estrangeiros sérvio, 9 votos positivos, cinco negativos e uma abstenção
– Helen Clark, ex-primeira-ministra neo-zelandesa e atual diretora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), 8 votos positivos, cinco negativos e duas abstenções
– Susana Malcorra, atual ministra dos Negócios Estrangeiros argentina e ex-chefe de gabinete de Ban Ki-moon, 7 votos positivos, quatro negativos e quatro abstenções