A nova solução encontrada pelo Banco de Portugal para recapitalizar o Novo Banco (NB), comunicada ao início da noite de terça-feira, 29, vai afetar grandes investidores institucionais como fundos de investimento, fundos de pensões, seguradoras e outros bancos – muitos deles estrangeiros. São detentores de obrigações de “dívida sénior” no valor de dois mil milhões de euros, emitidas pelo antigo BES antes do colapso, que vão agora ser transferidas do balanço do Novo Banco para o “banco mau” – como já tinha sucedido em agosto de 2014 com os títulos de “dívida subordinada”. Só à medida que o BES “mau” for vendendo ativos é que esta classe de investidores poderá ser ressarcida das perdas, pelo menos parcialmente.
Dizem os manuais que a diferença fundamental entre dívida sénior e dívida subordinada é o maior ou o menor risco de perder o investimento: em caso de falência, por exemplo, os crédores séniores têm o direito de serem ressarcidos antes de outros credores, incluindo os que detêm dívida subordinada.
Desta vez, os pequenos investidores do antigo BES não serão prejudicados. Por isso, a Associação dos Lesados e Indignados do Papel Comercial do BES saudou a decisão do Banco de Portugal: “Os investidores institucionais têm capacidade e qualificações para perceber os investimentos, enquanto os investidores não institucionais não as têm. Nós somos clientes de retalho a quem foram vendidos produtos que estavam totalmente falidos, mas não tínhamos capacidade de ir verificar as contas das empresas, enquanto os investidores institucionais tinham”, afirmou o presidente da associação à agência Lusa.
Para Ricardo Ângelo, “quando o sistema financeiro e, principalmente, os reguladores e os gestores bancários e das entidades financeiras não funcionam, quem deve ser lesado é o sistema financeiro e não as pessoas e os aforradores”.
Investidores recorrem
No campo oposto, a Associação de Investidores e Analistas Técnicos do Mercado de Capitais (ATM) admite o recurso aos tribunais. Também em declarações à Lusa, Octávio Viana, dirigente da ATM, explicou que a dimensão do problema “ultrapassa os investidores qualificados”. Em sua opinião, a medida “é manifestamente ilegal porque viola princípios muito importantes do tratamento igual dos detentores das mesmas categorias de valores mobiliários”.
“Estamos a tratar de forma diferenciada pessoas, entidades, que detêm exatamente os mesmos direitos. Estamos a falar de uma categoria de valores mobiliários, que são obrigações séniores, e não posso distinguir os direitos das mesmas apenas porque o seu titular é alguém com mais ou menos conhecimento do mercado. Isso viola ostensivamente o princípio do tratamento igual dos detentores de valores mobiliários”, sublinhou.
Balanço folgado
A nota emitida pelo Banco de Portugal explica que esta operação de transferência de dívida destina-se, por um lado, a completar “a medida de resolução aplicada ao BES” há cerca de ano e meio e, por outro, a libertar o Novo Banco da responsabilidade de reembolsar obrigações do antigo BES no valor de 1 985 milhões de euros, criando assim uma folga no balanço que lhe permite cobrir perdas acumuladas desde a sua criação, e que levaram recentemente o BCE a recomendar um reforço de capital de 1 400 milhões de euros num prazo de nove meses.
Com a medida, o problema do Novo Banco, fica, aparentemente, solucionado, comprometendo-se o banco central a dar por concluída a “alteração final e definitiva do perímetro de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Novo Banco, que assim se considera definitivamente fixado”. A clarificação surge na sequência de transferências de ativos e passivos entre o Novo Banco e o BES feitas já depois da resolução, que em agosto de 2014 obrigou o Fundo de resolução a injetar 4,9 mil milhões de euros na instituição.
O Novo Banco, cujo processo de venda vai ser relançado em janeiro, informou entretanto a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários que está em condições de cumprir os requisitos de capital, depois da medida do Banco de Portugal. Aos colaboradores, a administração garantiu que os “depósitos do Novo Banco, independentemente do seu montante, não foram objeto desta medida”.
PSD está a favor
O PSD, partido que liderava o governo no momento da resolução do antigo BES, defendeu que o banco central fez bem em proteger os contribuintes, ao contrário da solução adotada pelo atual Governo socialista para o Banif.
Em conferência de imprensa, o deputado social democrata António Leitão Amaro considerou que as medidas de reforço de capital do Novo Banco “só podiam ter sido tomadas agora”. “É uma decisão que protege os contribuintes”, acrescentou, notando que “contrasta bem com uma decisão recente do Governo atual noutro caso onde os contribuintes foram chamados a um esforço importante. São, por isso, duas formas bem contrastantes de resolver uma necessidade de sustentabilidade e de estabilidade do sistema financeiro”.