Se “malandro é malandro e mané é mané”, como na canção de Bezerra da Silva, na ilha de Santa Catarina o “mané” despe o seu sentido depreciativo (de sujeito tolo, palerma, pouco inteligente) e é usado de peito aberto com o maior dos orgulhos. Porque os “manezinhos da ilha” são os nativos de Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, e até mais especificamente os descendentes dos açorianos que povoaram a região.
Têm até uma forma de falar própria, que os brasileiros acham parecido ao português, mas que, para nós, é igualmente indecifrável quando a ouvimos aos vendedores do mercado de Floripa, no centro histórico da cidade. Mas ao ler as expressões usadas, expostas nas paredes do Museu de Florianópolis, faz-se luz. “Moquirido” é “meu querido”, “istepô” é “estupor”, “mofas com a pomba na balaia” significa “bem podes esperar sentado”.
É cheio de cor este centro histórico da vila de Nossa Senhora do Desterro, como noutros tempos se designava Florianópolis (em homenagem a Floriano Peixoto, segundo Presidente do Brasil, no século XIX), ou Floripa para os “amigos”, para onde se viaja desde setembro em voo direto de Lisboa na TAP. O estado de Santa Catarina, a sua capital e a ilha com o mesmo nome são um Brasil à parte. Começando pela segurança – anda-se ali à vontade e os melhores índices de segurança do país muito se devem ao facto de ser um estado financeiramente mais abonado, com pouco desemprego.
Começamos a visita justamente pela ilha, situando-a no Atlântico, Sul do Brasil, uma faixa de 54 quilómetros de comprimento por 18 de largura, ligada ao continente por três pontos, sendo a histórica ponte Hercílio Luz a mais vistosa e o melhor local para apreciar Floripa.
Os povoadores açorianos
Deixamos a capital e rumamos a norte para encontrar Santo António de Lisboa, uma localidade típica, com praia, cheia de casas coloridas que nos fazem mesmo lembrar os Açores. E logo nesse dia, espanto!, damos de caras com a procissão das festas do Divino Espírito Santo. As vestes dos mordomos e das crianças, tudo nos leva para as nove ilhas açorianas, sendo que estamos na décima ilha dos Açores, como os “Manezinhos” gostam de chamar a Santa Catarina. Tudo não: no bailarico que se segue aos deveres religiosos, a música até pode ser pimba, mas é um pimba diferente, de sotaque doce e ginga mais voluptuosa.
De Santo António de Lisboa a Ribeirão da Ilha, outra localidade típica, mais a sul da ilha, não faltam restaurantes com referências aos ancestrais Manuéis. Em Ribeirão, paramos para almoçar no Rancho Açoriano (anote que é mesmo excelente), mas em vez da alcatra preferimos o peixe, provando várias maneiras de o confecionar. Mas, claro, em Santa Catarina o que se come são ostras, a todas as refeições se for possível, cruas, ao vapor ou gratinadas com queijo, a ostra ali é rainha e senhora, e o mar, frente à praia, está povoado de fazendas de ostras, o grande negócio local.
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Come-se bem nesta ilha, seja nas várias localidades à beira-mar, onde também se encontram pescadores a vender peixe fresquíssimo, a “garoupa de Ipanema”, como dizia um a rir, seja na capital Floripa. E já que voltamos à cidade, há uma loja junto ao mercado principal que nos chama a atenção. Chama-se Armazém da Renda e, lá dentro, um homem com quase 70 anos dedica os dias a fazer renda de bilros. No Armazém da Renda, “seu” Dinho é o “primeiro rendeiro de bilros” da ilha, ofício que aprendeu à socapa porque não era coisa de homem na época.
Sejam os bilros ou a farinha fina de mandioca, que destoa da restante brasileira, bem mais grossa, chamam de novo os Açores à conversa. Como foi isto, afinal? Sérgio Ferreira, presidente da Casa dos Açores de Santa Catarina, está em frente a um engenho de farinha, um casarão senhorial datado de 1860, que o atual proprietário abre agora aos turistas. “Entre 1748 e 1754, seis mil açorianos vieram povoar o estado de Santa Catarina. Desses, 1 500 dirigiram-se ao estado vizinho do Rio Grande do Sul. Vieram em família e cada freguesia, nota-se ainda, é uma espécie de arquipélago, até nos sotaques guardou-se muito do português seiscentista”, conta-nos.
Os colonos vinham sobretudo do núcleo central do arquipélago. Outras vagas de imigrantes marcaram este Sul do Brasil, como os alemães, que começaram a chegar a partir de 1828. O município de Blumenau é um dos centros da comunidade e isso nota-se bem na arquitetura. E na monumental Oktoberfest que gostam de organizar.
Baleias e balões
É altura de deixarmos a ilha, as suas praias e os seus resorts, a Mata Atlântica no seu centro ou as incríveis dunas de areia onde se pratica o sandboard, e vamos para outras aventuras, num território menos turístico e que nos vai deixar assombrados.
Para sul, a apenas uma hora de carro de Floripa, sentamo-nos na areia da Praia da Gamboa, município de Garopaba, e ficamos a olhar para o mar. De repente, um repuxo emerge das ondas. Depois outro. A certa altura, vê-se um corpo negro gigante a mexer. Quem tiver sorte ou paciência para esperar, verá baleias a saltar fora de água, para ensinar os seus filhotes a estimular a musculatura. É um espanto! Não é preciso apanhar nenhum barco para ir ver baleias; basta sentar na areia. Aliás, a legislação obriga os barcos a permanecerem a 100 metros dos bichos, enquanto ali elas chegam-se a 20 metros da praia.
Nesta que é uma das zonas mais preservadas da Mata Atlântica, o Parque Estadual da Serra do Tabuleiro, de lindíssima vegetação e muito pouca gente no inverno (o nosso verão), as baleias-francas-austrais chegam em agosto, ficam dois meses nesta baía segura, longe de tubarões e de orcas, e transformam-na numa maternidade/berçário. No final de outubro, regressam à Antártida.
Ainda com o coração cheio de baleias, vamos dormir cedo, muito cedo, porque no dia seguinte madruga-se às 3 da manhã para outra experiência arrebatadora: andar de balão sobre os canyons.
Ali no Sul do estado, há 64 canyons, alguns dos quais delimitam a fronteira com o estado do Rio Grande do Sul. Nove desses canyons encontram-se na Praia Grande. Quem quiser visitar estas maravilhas naturais pelo chão, encontrará trilhos magníficos que atravessam rios e se deparam com cachoeiras. Nós fomos pelo ar.
Alguns balões chegam a levar 20 pessoas no enorme cesto. Subimos até aos 1 300 metros de altitude: por baixo de nós os campos de arroz, feitos manta de retalhos; ao fundo os canyons. Atravessamos as nuvens para ver o nascer do Sol. Dias que começam assim só podem correr bem.
NÃO PERDER Na Praia Grande, dentro do exclusivo Hotel e Spa Morada dos Canyons, vá ao restaurante Vistta, do conhecido chefe Marcos Livi. É toda uma experiência em “cozinha de altitude”
A VISÃO viajou a convite da TAP
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