São 11 da manhã e já a Piscina Mar, na Avenida 25 de Abril, em frente ao Atlântico, está com lotação esgotada (120 pessoas). Cátia Soares, de 36 anos, e Sílvia Júlio, de 53, foram as últimas a conseguir uma pulseira no pulso: “Tivemos sorte. Ouvimos falar desta piscina e queremos passar aqui o dia”, dizem-nos as duas amigas, chegadas de Sintra, no dia anterior, para uma semana de férias na Figueira da Foz.
Integrada num complexo de 1953, aquela que ficou conhecida como a piscina do Grande Hotel da Figueira (hoje é o novo Vila Galé Collection) foi, durante anos, de acesso público, e a sua prancha de saltos de cinco e dez metros (já não existe há muito) ficou célebre em concursos de natação, nos anos 60 e 70. Reaberta pela câmara municipal no dia 15 de julho passado, os seus 33 metros de comprimento têm sido o maior atrativo deste verão, tanto para os turistas como para os figueirenses saudosos deste lugar, encerrado em 2018.
É o caso de Sansão Coelho, de 74 anos, que se encontra por lá, acompanhado da filha e dos netos. Com um percurso de mais de meio século na RTP e RDP, foi a voz e a figura, durante décadas, da Gala Internacional dos Pequenos Cantores da Figueira da Foz, que ele ajudou a fundar em 1979 – quem não se lembra do festival infantil? “Esta piscina carrega muita história e já fazia falta. A Figueira consegue ter o clima de uma grande metrópole, ao mesmo tempo que é um hino à tranquilidade”, aponta o comunicador, que hoje se divide entre Coimbra e a Figueira, onde, entre longas caminhadas pela marginal, preside à centenária Sociedade Filarmónica 10 de Agosto.
Banhos de água salgada aquecida
Deixamos Sansão Coelho a banhos e seguimos a pé pelo extenso areal da Praia da Claridade (a distância tem aumentado e vai em 900 metros até à beira-mar), a partir da emblemática Torre do Relógio, construída em 1947. Pelo caminho, ouvimos falar espanhol (desde os finais do século XIX que a Figueira da Foz se tornou estância balnear de nuestros hermanos), português e francês, nacionalidade que tem procurado a cidade para viver.
A manhã está ventosa, como em tantos outros dias por aqui, e talvez por isso não se notem os 26 graus de temperatura. Ouve-se o riso das crianças, nos insufláveis e na piscina de água salgada aquecida, inaugurada no ano passado no areal – há outra em Buarcos, e o tempo máximo de permanência dentro de água é 30 minutos (de cada vez). “A Figueira sempre foi a praia das crianças”, tinha-nos dito Sansão Coelho, e continua a sê-lo.
Quem parece não estar para brincadeiras é Helena Costa, de 64 anos, que, há mais de quatro décadas, aluga as barracas às riscas azuis e brancas com cadeiras de lona (€15/dia, €230/mês). Neste verão, anda desanimada com a escassez de clientela. “O negócio está muito fraco. Talvez por causa da guerra, não há dinheiro. Antigamente não tinha mãos a medir”, recorda. Ainda assim, diz, tem clientes fiéis, “que todos os anos pedem o mesmo chapéu, na mesma fila e no mesmo lugar”.
Arroz carolino e sabores do mar
Regressamos à avenida marginal, mas não pelos novos passadiços colocados neste ano no imenso areal. Tal como outros veraneantes, optamos por apanhar boleia num dos três carrinhos elétricos (Flamingo, Claridade e Varina) que, desde 2023, transportam gratuitamente os banhistas (três pessoas em cada viagem). Em poucos segundos, chegamos de novo junto à Torre do Relógio, escapando à canícula.
Mais tarde, haveremos de voltar a esta zona de casas oitocentistas, às ruas do Casino (o mais antigo da Península Ibérica) e do Bairro Novo para conhecermos as novidades, mas marcámos almoço no Olaias, o restaurante de Pedro Ferreira, de 35 anos, e Mónica Gomes, de 37, que integra a lista de Bib Gourmand do Guia Michelin Portugal (a distinção premeia a boa relação qualidade-preço).
Depois da abertura, em maio de 2021, ainda em tempos de pandemia, e de Mónica ter trocado o ensino de Educação Física pela cozinha (“sempre foi a minha grande paixão”, diz), o restaurante, situado no Centro de Artes e Espetáculos, parece ter chegado a bom porto. “Quando pensámos neste projeto, queríamos que fosse confortável, com um serviço simpático e comida com identidade”, resume Pedro Ferreira, formado em Gestão Hoteleira, que, entre outras paragens, foi sommelier durante sete anos no restaurante Pedro Lemos, no Porto.
Na cozinha, trabalham-se os produtos locais, como o arroz carolino do Baixo Mondego, comprado a três pequenos produtores, e o peixe da Costa de Lavos. Entre os arrozes caldosos e de forno, destaca-se o de garoupa selvagem e gambas, de polvo ou de bivalves, coentros e limão (€50, duas pessoas), acabado de entrar na carta.
Nas entradas, o pão rústico de fermentação lenta (feito por Mónica), o tomate-coração-de-boi com presunto e alho assado, os croquetes de alheira e maçã, o rissol da Tia Fernanda (receita de família) e, à sobremesa, o arroz-doce são imperdíveis. A carta de vinhos dá lugar aos pequenos produtores da Bairrada e do Dão.
“O nosso percurso foi-se fazendo através do passa-a-palavra. A Figueira é a casa de férias de muitas famílias de Coimbra, Guarda, Castelo Branco… Havia pessoas que vinham passar o fim de semana, sentavam-se aqui a jantar e, no fim de semana seguinte, já apareciam clientes indicados por elas”, orgulha-se Pedro Ferreira.
Saímos de barriga cheia do Olaias, mas não resistimos a deitar o olho às brisas da Figueira, o doce feito com gemas, açúcar e farinha de amêndoa, que é a especialidade da região e cuja receita foi recuperada pela Padaria Dionísio, com três moradas na cidade.
Livros com vinhos, gelados com história
Seguimos em direção à marina, onde Ana Figueiredo, de 44 anos, e Alexandra Barracho, de 49, abriram, em meados de junho, uma livraria-cafetaria no Largo do Carvão. Com “um design inspirado nas congéneres londrinas”, toldo e portas azuis, a Livraria do Largo trabalha sobretudo com títulos recentes (separados por temáticas, a que se junta uma secção dedicada aos autores figueirenses), havendo também a possibilidade de se tomar o pequeno-almoço, um chá ou até mesmo um copo de vinho ao balcão, na dezena de lugares interiores ou na esplanada.
“Conciliar a leitura com um espaço social” foi a intenção das duas amigas. A agenda de conversas à volta dos livros ainda está a ser delineada, mas já estão confirmadas as presenças dos autores Pedro Mexia (23 ago, 18h), João Ribau (24 ago, 11h) e Nuno Camarneiro (21 set, 18h), que podem muito bem ser acompanhadas por um copo de branco ou tinto (€4). Porque, como se lê numa frase de Fernando Pessoa inscrita na parede, “Ler é sonhar pela mão de outrem”.
O vento deu uma trégua e a tarde ficou quente. À porta da geladaria Emanha 2, na Esplanada Silva Guimarães, em frente à Torre do Relógio e à praia, a fila de clientes cresce. “Vir à Figueira e não comer um gelado na Emanha é como ir a Roma e não ver o Papa”, diz-se amiúde. E assim tem sido desde 1980, quando Américo Nogueira, acabado de chegar de Angola com a família, se lembrou de abrir a primeira geladaria, uns metros mais abaixo, na Avenida do Brasil.
Com uma oferta de 40 sabores diários, feitos artesanalmente e vendidos em copo, cone ou taça, em cada uma das lojas, a Emanha mantém-se aberta durante o ano. “Funcionamos de acordo com o boletim meteorológico. No inverno, se anunciarem bom tempo para o fim de semana, já sabemos que iremos ter fila à porta. Conhecemos gerações inteiras de famílias, e isso é muito gratificante”, congratula-se Patrícia Nogueira, de 51 anos, filha do fundador desta casa que, em 2018, foi considerada uma das 20 melhores geladarias da Europa pelo jornal britânico The Guardian.
Percorremos as ruas em calçada do Bairro Novo, olhando para as casas com influência de Arte Nova e Arte Déco, que marcam esta cidade. No lugar onde funcionou a livraria e tabacaria centenária Casa Havaneza nasceu, em junho, um restaurante e bar da mesma dupla da ex-petiscaria Pifo. Carina Pereira e Filipa Sottomayor mantiveram o nome (agora com grafia atual), assim como o balcão e os armários de madeira, apostando numa carta que vai do brunch aos petiscos. Em breve, pretendem tornar o espaço “mais cultural, com música ao vivo, poesia e leituras, combatendo a sazonalidade da Figueira”, diz Carina Pereira, de 51 anos.
A poucos metros, o Zagallo Kitchen tem-se destacado desde a pandemia, altura em que Ricardo Pereira transformou um bar-dançante num restaurante dedicado à carne oriunda de vários pontos do mundo: Dinamarca, Canadá, Austrália ou Japão. “Não existia nada do género na Figueira e tem sido um sucesso”, afirma o empresário de 40 anos, enquanto nos mostra as diferentes salas desta casa, com dois pisos e uma generosa garrafeira.
Sangria ao pôr do Sol, depois do “Enforca Cães”
Antes de atravessarmos a Ponte Edgar Cardoso, que nos há de levar à Costa de Lavos, onde terminaremos o dia, rumamos em direção à serra da Boa Viagem para conhecer a estrada que anda na boca dos figueirenses, desde que foi inaugurada no verão de 2022. Ligando Buarcos à Murtinheira (Quiaios), pelo Cabo Mondego, a estrada do “Enforca Cães” (como é conhecida nesta zona) corre junto ao mar, numa sucessão de curvas e de contracurvas, que atrai os ciclistas e revela uma paisagem deslumbrante.
O Sol está quase a pôr-se e, já na Praia de Costa de Lavos, o Xiringuito está bem composto. Ao restaurante e bar de praia, aberto em 2022 por Carlos Silva, de 45 anos, e Rita Silveirinha, de 44 anos (o casal que, durante mais de uma década, esteve ligado à vizinha Casa dos Pescadores), tanto se vai comer umas amêijoas à Bulhão Pato como uns jaquinzinhos pescados nos barcos tradicionais de arte xávega, gambas com gengibre e mel, polvo à lagareiro ou picanha. “Sempre nos pareceu que era o sítio ideal para ter um bom bar de praia, onde a base da carta é a cozinha tradicional”, diz Carlos Silva. A qualquer hora do dia, servem caipirinhas e sangrias de espumante ou vinho branco, os companheiros ideais para brindar a esta viagem pela Costa de Prata.
VER / SAIR
Piscina Mar Av. 25 de Abril > seg–dom 10h-19h30 > €7/dia, €4 (5-12 anos), €5 pack diário família
Livraria do Largo Lg. do Carvão, 7 > T. 92 614 2202 > seg-sex 10h-19h, sáb 10h-13h
Casino da Figueira Show Rock Rendez-Vous (até 31 ago, às 23h) de música e dança. Festival das francesinhas (até 31 ago, das 19h às 22h30). R. Dr. Calado, 1 > T. 233 408 400
COMER
Olaias Centro de Artes e Espetáculos > R. Abade Pedro, 2 > T. 93 740 8125 > ter-sáb 12h30-14h30, 19h30-23h
Zagallo Kitchen R. Académico Zagalo > T. 91 277 0583 > seg-sex 19h-22h30, sab-dom 12h-15h30, 19h-22h30 (até 15 set); ter-sex 19h-22h30, sáb 12h-15h30, 19h-22h30, dom 12h-15h30 (resto do ano)
Casa Havanesa R. Cândido dos Reis, 89 > T. 233 094 697 > seg-qui e dom 12h-24h, sex-sáb 12h-02h
Emanha 1 e 2 Av. 25 de Abril, 62 > T. 233 426 567 > seg–sex 13h-24h, sáb-dom 12h-24h > Esplanada Silva Guimarães, 7 > T. 233 402 860 > seg-dom 8h-02h
Padaria Dionísio Av. do Brasil, 166 > T. 233 425 327 > R. Dr. Luís Carriço, 9 >T. 233 411 809 > R. Vasco da Gama, 8 > T. 233 422 495 > seg-sex 7h-20h, sáb-dom 8h-20h
Xiringuito Praia Costa de Lavos > T. 233 947 096 / 96 390 7064 > seg-dom 11h-22h (jun-set), sex–sáb 19h-22h (out-mai)
DORMIR
Vila Galé Collection Figueira da Foz Inaugurado em junho, ocupa o edifício histórico pós-modernista dos anos 50, que foi outrora o Grande Hotel da Figueira. Com 102 quartos, mantém os painéis artísticos dos mestres José de Molina Sanchez e Tomás de Melo, inclui dois restaurantes abertos a não hóspedes (domingo ao almoço serve o buffet do mar por €25/pessoa), spa e uma piscina exterior. Av. 25 de Abril, 22 > T. 233 200 060 > a partir €140
Eurostars Oásis Plaza Av. do Brasil > T. 233 200 010 > a partir €107
Casa d’ Avó Dalina R. 19 de Julho, 19, Costa de Lavos > T. 91 557 1536 / 91 565 7097 > seis quartos, a partir €50