Ainda não tem placa na porta, mas, por estes dias, quem chega ao Largo de São Domingos, onde desemboca a movimentada Rua das Flores, tem um propósito: o de conhecer o restaurante do chefe de cozinha Nuno Mendes no Porto. Desde que abriu, a 16 de fevereiro, no rés do chão do The Largo (um hotel de cinco estrelas que o coletivo dinamarquês Annassurra se prepara para inaugurar na primavera), que não se fala noutra coisa na cidade.
O chefe português está radicado em Londres há 20 anos, onde chegou a ser conhecido pelo the special one da cozinha, numa analogia a José Mourinho. A realidade é que Nuno Mendes transformou a zona de East London num destino gastronómico: primeiro com o Bacchus (2006), depois com o The Loft Project (2009), o Viajante (em 2010, ganhou uma Estrela Michelin), o Chiltern Firehouse (frequentado por celebridades), a Taberna do Mercado (2015) e o Mãos (2018). Em março de 2022, abriu o Lisboeta, o único projeto que tem atualmente em Londres, no bairro de Fitzrovia, e que é uma “carta de amor” a Lisboa, cidade onde nasceu e viveu até aos 19 anos. Depois de uma passagem pelo Bairro Alto Hotel na capital, o Cozinha das Flores marca o regresso a Portugal do chefe de barbas grisalhas que, em abril, chegará aos 50 anos.

Mas voltemos ao Porto e ao Largo de São Domingos. A entrada no restaurante faz-se pelo bar Flôr (assim mesmo, com acento circunflexo). Na sala ao lado, fica o Cozinha das Flores, com um balcão onde se preparam as refeições, decorado com um mural de azulejos criado por Álvaro Siza, e uma carta de vinhos sobretudo da região Norte. “Nos meus projetos sempre quis uma cozinha aberta, onde há diálogo: primeiro entre os cozinheiros e a sala, e depois com os clientes”, diz Nuno Mendes, também responsável pela playlist musical.
“Não estou a fazer um copy paste”
Os avós maternos de Nuno Mendes eram do Norte, da zona de Fafe. Daí que a parte afetiva tenha pesado na decisão de ter um restaurante no Porto. “É uma cidade especial, estou a conhecer o seu ritmo, tem criatividade e poesia”, diz. “A ideia do projeto é focarmo-nos na cozinha do Norte. A inspiração tem de partir do receituário tradicional, como as papas de sarrabulho, que comi várias vezes. Se conseguir ter essas coisas no menu, os rojões ou as tripas apresentadas à nossa maneira, seria o ideal.”
Para já, na carta criada de raiz – “Tenho um orgulho enorme em dizer que não estou a fazer um copy paste”, afirma –, têm brilhado o pão de ló com camarão da costa e balchão (€7) e o pastel de nata de nabos com caviar (€9), para início da refeição. A lula gigante dos Açores com feijoada de sames (€16), o lírio curado com beterraba assada em sal e algas cozinhadas à Bulhão Pato (€17), o tártaro de vaca maturada com caldo verde e chouriço (€12), a presa de porco com couve portuguesa, alheira molhada e caldo de cozido (€28) ou o peixe-galo grelhado com talos de brócolo, molho de manteiga de ovas de peixe (€30), são alguns exemplos da ligação ao mar de Matosinhos e aos produtos transmontanos. Para sobremesa (a partir €8), destaca-se o pudim abade de Priscos com granita de laranja e nata fresca, a tigelada com gelado de kombu caramelizado e creme de arroz-doce ou o leite em várias texturas, influência dos tempos passados na quinta do avô no Alentejo.
Nuno Mendes anda a conhecer os produtores locais, mas o objetivo passa por ter parcerias, com produtos (enchidos ou queijos) feitos especificamente para o restaurante. “Não somos quilómetro zero, mas estamos muito perto. Estar a 200 quilómetros, no máximo, do produto é fantástico”, sublinha Nuno Mendes, que criará uma carta de snacks para o bar Flôr, onde também nada foi deixado ao acaso.
Decorado com um balcão em forma de U para 12 pessoas, além de umas quantas mesas, tem a mixologista Tatiana Cardoso ao leme: “Foquei-me muito na gastronomia e na cultura portuguesas”, diz-nos uma das mais premiadas bartenders nacionais. Exemplo disso são os cocktails (€10), como o Clichèd, com gin, bacalhau, coentros e amaranto, ou o Relish, que leva tequila, tomate, maracujá e toranja. O Flôr há de vir a servir pequenos-almoços, café de especialidade e petiscos. “Não é o bar do restaurante. São dois irmãos, mas independentes”, reforça Tatiana.
Nuno Mendes: “Quero fazer um restaurante divertido”

1. A cozinha do Norte é diferente?
O que sai da terra, da água, a temperatura, a topografia, é bastante diferente. Por exemplo, no Alentejo e no Sul os coentros são um apelo forte. No Norte, praticamente não se usam. É um estilo de cozinhar completamente diferente, é mais uma cozinha de tacho que eu adoro.
2. Quer ganhar uma Estrela Michelin no Cozinha das Flores?
A ambição é fazer um restaurante divertido, com o qual me identifico, que seja também um bocadinho diferenciador. Estamos a fazer o projeto com a nossa visão. Se o Guia Michelin entender que está conforme as suas visões, é fantástico, mas não é esse o nosso foco.
3. Deixou o Bairro Alto Hotel, em Lisboa, onde coordenava cinco cozinhas. Porquê?
Foi uma decisão unânime. Tenho outras ambições para Lisboa, que passa por ter um projeto com o meu nome. Abrirá um dia, no tempo certo. Não sei quando. Agora, quero estar concentrado no Porto e em parcerias a longo prazo, como a do Cozinha das Flores.
4. Disse várias vezes que gostaria de voltar a viver em Lisboa com os seus filhos…
É um sonho meu, mas é difícil por causa da família e dos estudos. Esta viagem não é só para mim, também é para eles [Nuno Mendes tem três filhos, dois gémeos com 10 anos e uma rapariga com 12]. Esta oportunidade que tenho de fazer projetos em Portugal é também para lhes deixar um legado, para que eles se sintam em casa. Gostava que os meus filhos crescessem com orgulho do País do pai.
Cozinha das Flores > Lg. de São Domingos, 62, Porto > T. 22 976 0001 > seg-dom 18h30-24h