É com o olhar focado e a dar pequenos retoques no elétrico feito de chocolate que António Melgão, 56 anos, nos recebe na sua fábrica, que ocupa a antiga Estação Ferroviária de Montemor-o-Novo. “Uma obra de paciência”, diz António, sobre a peça que há de decorar a Casa Pereira da Conceição, na Baixa de Lisboa, futuro ponto de venda da marca Melgão.A passagem de pasteleiro a chocolateiro aconteceu em 2016, quando António, juntamente com o seu irmão e sócio, Serafim, fez uma viagem ao Peru, onde experimentou um chocolate que o deixou deslumbrado.
De regresso a Montemor-o-Novo (onde já tinha a pastelaria Capri), dedicou-se a aprender esta arte, que terminaria, em janeiro de 2020, com a abertura desta fábrica familiar (por marcação, aceitam visitas). Da torrefação dos grãos de cacau, comprado a pequenos produtores no Peru, São Tomé e Príncipe e Nicarágua, à moldagem, tudo é feito por 16 funcionários.
Das 12 variedades de chocolate da marca Melgão – Cacau e Chocolates, vendidas em tablete ou em sacos de quatro quilos para a restauração, vale a pena experimentar o Chuncho Negro 70% (€6,28), preparado com um cacau silvestre peruano, originário de uma região a 80 quilómetros de Machu Picchu, que apresenta no paladar uma acidez cítrica que o torna fresco. Já o Piura Blanco 90% (€7,20), ligeiramente rosa, que se distingue pelas favas brancas, foi o que levou António a apaixonar-se pelo chocolate, “por ser tão diferente”.
Mais importante do que a percentagem ou a sua origem, António diz ser a “variedade do cacau que faz a maior diferença na qualidade do chocolate”. Por isso, não é à toa que o compara ao mundo dos vinhos. “Atualmente, já ninguém pede um vinho sem saber as suas castas ou região. Com o chocolate, deveria acontecer o mesmo.” No fundo, para António Melgão, o chocolate “não é um doce; é algo que deveria ser para degustar, descobrir e apreciar”.
Derreter na boca
A opinião é partilhada por Pedro Araújo, responsável pela Vinte Vinte, marca do The Chocolate Story, o museu aberto, há dois anos, no World of Wine, em Vila Nova de Gaia. Irresistível é o cheiro a cacau, quando se entra. O entusiasmo cresce à medida que se exploram as diferenças dos locais de origem, os processos de fabrico, as ligações às mais antigas civilizações. “Evangelizar é o papel do museu, que tem toda uma operação montada para explicar o chocolate”, afirma Pedro Araújo, que acompanhou o projeto e acabaria por levar mais longe a missão.
Depois de visitar diferentes produtores, em países como México, Nicarágua, Colômbia e São Tomé e Príncipe, e de ter registado todos os passos da produção, que podemos ver no museu, aventurou-se na criação do próprio chocolate. A Vinte Vinte tem quatro gamas distintas, produzidas da fava à tablete (bean-to-bar), desde os clássicos (negro 58% ou 70%, a partir de €2,40), passando pelo Fusion (com menta, frutos vermelhos ou flor de sal, a partir de €2,50), até ao premium Grand Cru México Soconusco (€20), da fazenda Finca La Rioja, considerada das melhores do mundo. Todo o processo poderá ser acompanhado ao vivo na fábrica envidraçada, que fica no final do museu. Já a prova de sabores faz-se à mesa do café Vinte Vinte, mas antes avaliam-se o brilho, o cheiro e o som da tablete a quebrar. Depois, “é deixar derreter, sem mastigar, para sentir o fim de boca”, explica Pedro.
Percentagens de sabor
Oferta de sabores (e sensações) é coisa que não falta na loja e oficina de Bettina Corallo, em Lisboa, onde temos direito a uma degustação improvisada. Do mais natural, o 75% cru, avançamos para o 75% simples, onde notamos a sua natureza mais delicada e suave. Antes de terminarmos com o estaladiço 75% com pedaços de cacau, saboreamos o 100% (cacau puro), muito procurado por quem não consome açúcar.
A ligação de Bettina ao café e ao cacau remonta a 1980, primeiro, no antigo Zaire (atual República Democrática do Congo), depois, em São Tomé e Príncipe, de onde continua a chegar uma parte do cacau que trabalha na oficina (outra parte vem da Venezuela, República Dominicana, Bolívia e Gana).
A loja abriria em 2008, na Rua Cecílio de Sousa, mundando-se mais tarde para a Rua da Escola Politécnica, junto ao Jardim do Príncipe Real. Às tabletes e ao chocolate artesanal vendido a peso, com diferentes combinações (como flor de sal e caramelo), juntam-se as favas de cacau – podem ser usadas nos cereais, iogurtes ou, então, comer como aperitivo –, brownies, salame, bombons e amêndoas caramelizadas com flor de sal e cobertura de chocolate. “Do cacau, usamos tudo; não há desperdício. Por exemplo, da casca das favas fazemos infusões”, diz Bettina Corallo.
Prémios para Portugal
Dedicação e partilha é algo também comum à Feitoria do Cacao, da japonesa Tomoko Suga e da portuguesa Susana Tavares. A uns passos de se entrar na fábrica, na freguesia de Soza, concelho de Vagos, já cheira a cacau acabadinho de moer. Lá dentro, o aroma intensifica-se e apetece tirar um pedaço de cada uma das 14 tabletes, alinhadas no balcão, de oito origens distintas.
Nas três salas contíguas, Tomoko e Susana tratam de escolher os grãos de cacau, torrar, separar as cascas, até chegar aos dois cilindros, que moem delicadamente, durante 48 horas no mínimo, os premiados chocolates negros de São Tomé, com flor de sal de Aveiro, e da Costa Rica; o branco feito com matcha e sencha, uma parceria com a Chá Camélia; e o da Tanzânia, o mais vendido e premiadíssimo ao nível internacional, com leite de ovelha (a partir de €6,50). “Respeitamos o caráter de cada origem e tentamos pôr Portugal no mapa do melhor chocolate”, diz Susana.
O azulejo dá forma, e desenho, às tabletes da Feitoria do Cacao, enquanto as embalagens, a lembrar origâmis, foram ilustradas pela artista japonesa Maho Iwanaga. Um trabalho manual, em pequena escala, controlado desde a fava à tablete, para acompanhar de perto em visitas guiadas, uma vez por mês.
Bem mais agitada é a fábrica da Chocolataria Equador, situada no Bonfim e com vista panorâmica sobre a cidade do Porto. Todos os dias, muito há para fazer neste lugar dedicado à marca nascida em 2009, da união entre a escultora Teresa Almeida e o designer Celestino Fonseca, e da paixão do casal pelo chocolate.
Com uma única origem, São Tomé e Príncipe, as favas de cacau chegam ao armazém, em sacos de juta, para serem limpas e escolhidas à mão, seguindo depois para a torra, uma “etapa essencial no traçar do perfil aromático”, dirá Celestino. Serão ainda descascadas, moídas, conchadas e, finalmente, temperadas, com cada fase a obedecer a diversos critérios. Dali, saem para a área de produção, localizada noutro edifício, em barras de 2,50 quilos.
Nas lojas da Equador, no Porto, em Lisboa, Coimbra e Braga, encontram-se cacos (pedaços vendidos a peso), pirulitos (barras de 30 g) e tabletes (a partir de €7,80) de sabores mais exóticos (kumquat, limão-caviar, lima kaffir e pimenta) ou mais comuns (laranja, menta e avelã). Aos produtos embrulhados em papéis lindíssimos (que até custa rasgar), expostos em vitrinas, juntam-se as histórias ficcionadas, inspiradas na Vila do Lago. São ilustradas por Celestino num design retro, e impressas em postais, que seguem nas caixas de bombons (a partir de €3,75) e de trufas (a partir de €9). Para derreter nas bocas do mundo.
Dias frios pedem um chocolate quente
Kaffeehaus Lisboa Feito com chocolate belga e natas batidas (€4,10), tem outras versões com rum ou licor de laranja (€4,90). R. Anchieta 3 > seg 11h30-20h, ter-sex 11h30-23h, sáb 10h30-23h, dom 10h30-20h
Versailles Lisboa Ao chocolate em pó sem glúten adicionam o leite meio-gordo (€2,50/balcão; €3,50/à mesa). Av. da República, 15A > seg-dom 7h30-24h > R. da Junqueira, 528 > seg-dom 8h-22h
Landeau Lisboa Serve duas versões: puro e com leite (€3,30). LxFactory, R. Rodrigues Faria, 103 > seg-dom 11h-19h > R. das Flores, 70 > seg-dom 12h-19h
Dubon Porto Preparado na hora, com chocolate negro artesanal (€3). R. Mártires da Liberdade, 100 > seg-dom 11h-19h30
Chocolataria das Flores Porto De chocolate negro (70%), é servido simples (€3,30), com chantilly ou vinho do Porto (€5,90). R. das Flores, 121 > seg-dom 9h-19h
Terrárea Matosinhos De chocolate negro (85%) vegan, é servido com flor de sal (€3,50) ou chantilly (€4) e uma bolacha artesanal. R. Brito Capelo, 1211 > ter-sáb 10h-19h