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O Hassun é um prato que exprime claramente não só a estação, mas também a personalidade do chef
Paulo Morais dá aulas. Paulo Morais já escreveu livros. Paulo Morais foi dos primeiros chefes portugueses a especializar-se em cozinha asiática. A repetição é intencional, porque vamos pensando em tudo isto, quase maquinalmente, à medida que provamos o menu de julho (sim, muda mensalmente) do exclusivo Kanazawa, que fica em Pedrouços, para lá de uma porta que passa despercebida.
Ter o privilégio de ocupar um dos oito lugares deste restaurante (esporadicamente, podem sentar-se 10 pessoas) não significa apenas experimentar o que há de melhor na comida japonesa, como se isso já não bastasse. Significa também receber lições de cultura japonesa, dadas por Paulo Morais da forma mais natural possível.
Ainda antes de a comida chegar à nossa frente, já o chefe nos fala do yuzu, porque está a mexer nele, explicando que é o citrino preferido dos japoneses. E ajeita o prato de sashimi de peixe e marisco da nossa costa com uma aromática rodelinha desta espécie de limão – serve-nos barriga de atum, enxaréu, lírio, imperador, boca negra e bomboca (um marisco que se parece a uma enorme amêijoa, de consistência q.b.)
Haja calma, porque esse já é o segundo prato do menu kaiseki, que vamos degustando, pacientemente. Advérbio de modo que assenta mesmo bem quando pegamos num pequenino chapéu de samurai de origami amarelo que decora o nosso lugar neste balcão. Foram as habilidosas mãos da filha mais velha do chefe que levaram a cabo a empreitada de os fazer. Atenção, que não houve exploração infantil: Paulo Morais pagou 10 cêntimos por cada peça colorida à pequena artista de 15 anos.
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O naka choko é um prensado de legumes (pimento, abóbora, cenoura, beringela e espargos), cristalizados em gelatina de algas e encimado por umas ovas de truta
CARNE, À LA JAPONESA
É com uma tosta de arroz, enguia, tomate, pêssego e molho do mesmo fruto assado, que arrancamos com este jantar a dez momentos, e a fazer par com os vinhos da Quinta da Boa Esperança. Aqui tenta-se divulgar produtores da região de Lisboa, conjugando os seus vinhos à medida que os pratos desfilam. Este menu tasting é o único que inclui a bebida (€150), mas também se pode optar por retirar um, dois ou quatro pratos à lista e o valor baixa para 100, 90 ou 60 euros, sem bebidas.
Quando se fala num restaurante japonês, não é a carne que logo nos vem ao pensamento, certo? Errado. Só percebemos isso depois de provarmos o cachaço de porco, com batata doce roxa, courgete e caldo dashi. É então que Paulo Morais nos mostra o atum em pedra que se usa, por exemplo, para dar sabor ao caldo. Não admira, o peixe passa quase um ano a ser tratado para ficar assim, duro que nem um calhau, e se possa ralar numa plaina – é cozido, curado, fumado e seco. Além disso, ficamos a saber que o nome do prato – takiawase – significa que os seus ingredientes são todos cozinhados separadamente e só no final unidos pelo caldo dashi.
Aguardamos, com expectativa, o Hassun, porque já nos tinham dito que é neste momento que o chefe mais arrisca. O nome vem das caixas utilizadas no Japão como medida de arroz, por exemplo. Não é por acaso que o mix de criações com produtos da estação vem muito bem arrumado neste cubículo de madeira. Destapada a caixa, descobrimos então um divinal gaspacho com tártaro de peixe branco e folha de ostra (como o nome indica, sabe mesmo a este marisco), um quiabo recheado com ouriço do mar e camarão, uma terrina de biqueirão prensado e outra de pato com um pouco de foie e uma cereja em pickle com fígado de tamboril em vez de caroço – esta última conjugação de ingredientes fica sem adjetivo, por sermos incapazes de encontrar um que lhe faça verdadeira justiça (a carne, meus senhores, outra vez a carne).
Passamos para o naka choko, um prensado de legumes (pimento, abóbora, cenoura, beringela e espargos), cristalizados em gelatina de algas e encimado por umas ovas de truta. O molho é à base de miso e vinagre de arroz. Assim que conseguimos agarrá-lo com os pauzinhos e levá-lo à boca, os legumes soltam-se uns dos outros e sente-se o seu sabor, um a um.
Seguimos para um prato de massa, pois está claro, pensamos nós, armados em experts. Não esperávamos é que essa massa fosse tão fininha e pudesse estar um ano a secar. Muito menos que o prato viesse com gelo, para se refrescar ainda mais a tal massa somen e se suavizar o molho que tem alguma acidez. De resto, há magret de pato fumado por eles, algas, espargos e cogumelos. Misturamos tudo, como manda a tradição, e lambemo-nos com este momento.
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O prato de diferentes sashimis também faz parte do menu
FESTIM DE SUSHI
Não querendo desprezar o camarão tigre, coisa que nunca se deve fazer, temos consciência disso, vamos passar por cima dele (escusado será dizer que estava num ponto irrepreensível de grelha) para chegarmos mais depressa ao momento chamado de sushi. Sushi, escreva-se para que todos saibam, é tudo o que leva arroz. Um arroz que aqui é escurecido pelo vinagre envelhecido em madeira e que se digere com outra leveza.
A propósito, o sushi engorda? Paulo Morais está habituado à pergunta e tem a resposta na ponta da língua: “O que engorda são os queijos e os fritos do chamado sushi de fusão!”
E com esta exclamação prepara-nos para o momento sublime que se segue, ao sabor de uma sopa de miso. No Japão, ela come-se sempre no final da refeição e normalmente ao lado de uma taça de arroz. Paulo Morais serve-a aqui com nigiris de tudo e mais alguma coisa que sai de uma enorme caixa de madeira, onde guarda uma variedade tremenda de peixe e marisco, já pronto a servir de topping a um pedaço de arroz que molda com as mãos, com uma agilidade estonteante. Aliás, o chefe tem o dom de nos fazer crer que aquilo que nos dá a provar é fácil de confecionar, quando nos revela os ingredientes de que se socorre e enquanto está a dar forma aos pratos, mesmo à frente do nosso nariz. Mas, avisamos, não experimentem em casa, muito menos sem a supervisão de um adulto.
Vamos tentar não saltar nenhum dos sushis, graças ao bloquinho que nos secunda nestas missões difíceis. Pelo nosso prato em forma de folha (o desfile de loiça dava para outro texto) passaram nigiris de ostra, vieira, carabineiro, lírio, enxaréu, cantaril e imperador e mais um gunkan de bomboca com ovas de truta. Vão sendo pousados um a um e comem-se à mão – daí a toalha húmida que nos dão neste ponto da refeição. O gengibre está aqui no prato para que limpemos o palato a cada duas ou três peças. E o wasabi, que Paulo Morais faz na hora, entra em cada nigiri que serve, pois tem “propriedades anti-séticas, ajuda a digestão e é rico em vitaminas”. Para terminar este festim, arrematamos um taco de atum com wasabi e cebolo, embrulhado em folha de capuchinha, para se comer em duas ou três dentadas.
Enquanto apreciamos a sobremesa, Paulo Morais confessa que gosta muito da proximidade que este balcão lhe proporciona, pois pode falar com os apreciadores dos produtos que utiliza e assim apresentá-los cada vez melhor. Pela nossa parte, assinamos por baixo. E antes de sairmos, ainda guardamos o tsuru de origami que nos calha no prato do chá – diz que dá sorte e anos de vida.
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Kanazawa > R. Damião de Góis, 3, Lisboa > seg-dom 19h-23h