A ‘culpa’ é da primavera, costuma dizer-se, já que nesta época do ano surgem, com mais frequência, queixas de saúde associadas aos elevados níveis de pólens na atmosfera. As reações alérgicas manifestam-se de várias formas, desde queixas respiratórias a erupções cutâneas. Atualmente, elas constituem um problema de saúde pública, mas a boa notícia é que, apesar de existirem mais fatores de risco em termos ambientais e alimentares, dispomos de melhores respostas clínicas.
Para o médico João Pedro Azevedo, imunoalergologista no Hospital CUF Coimbra, Viseu e na Clínica CUF Leiria, “em Portugal, uma em cada três pessoas sofre de sintomas nasais (rinite alérgica); dessas, 40% a 60% podem desenvolver sintomas respiratórios como tosse, sensação de aperto torácico, falta de ar ou dificuldades na prática de exercício.”
Estar num jardim, conduzir de mota, ir à praia num dia solarengo ou entrar num armazém onde abundam ácaros pode ser crítico para quem sofre de doença alérgica. A resposta aos alergénios ambientais varia consoante o sistema imunitário de cada um e o aumento da prevalência não pode ser dissociado de um fator que tem estado na ordem do dia: as alterações climáticas. “Há cada vez mais polens a circular no ar fora da época mais crítica, que há 10 ou 15 anos, era entre março e maio, mas agora pode acontecer ao longo do ano.”
As doenças alérgicas explicam-se da seguinte forma: “A poluição tornas as mucosas mais frágeis pela maior penetração dos alergénios nas vias respiratórias e, mesmo não havendo antecedentes alérgicos, a lesão pode induzir novas sensibilidades”. O maior número de queixas pode dever-se, em parte, ao fim da pandemia e das medidas de proteção, que trouxe de volta os sintomas de rinite e de asma, tendo-se registado “um aumento da sensibilidade a alergias e picos de infeções virais”, tanto nos adultos como nas crianças.
Uma resposta exagerada
“As alergias não são normais, é preciso apurar a causa”, esclarece o clínico. Uma resposta alérgica não deve ser banalizada, sobretudo se as queixas são incapacitantes e limitam a qualidade de vida.
O que se passa no corpo depende da constituição de cada um. “O nosso organismo acaba por reconhecer partículas, ou proteínas, que não deveriam causar dano mas, por alguma razão, o corpo produz anticorpos contra essas proteínas”, esclarece o clínico. Perante a desregulação do sistema imunitário, quando é novamente exposto a alergénios, alimentares ou ambientais, o organismo gera uma resposta rápida, libertando mediadores que levam aos sintomas (rinite, asma, sintomas face à ingestão de certos alimentos).
Mudar de local de residência ou passar férias noutro ambiente podem ser gatilhos, mas há que desdramatizar, na medida em que é impossível eliminar a exposição a 100%. Nas crianças, por exemplo, as alergias alimentares mais comuns estão associadas ao consumo de ovos, leite e frutos secos, mas “há uma probabilidade elevada de essa alergia passar”. Noutros casos, a situação pode evoluir e tornar-se crónica, a partir da idade adulta, como sucede com a asma e outras doenças respiratórias, especialmente se existirem antecedentes na história de vida, algo que é analisado em consulta.
Despistar e tratar
O diagnóstico pode ser feito através de análises clínicas, mas também com testes por picada, que têm resultados imediatos “levam ao aparecimento de uma pápula, que significa que a pessoa tem anticorpos”, permite avaliar a sensibilidade aos alergénios. Os testes de contacto, cujos resultados têm uma leitura mais tardia, servem para avaliar reações a antibióticos, por exemplo. Porém, “embora existam protocolos mais validados, para alimentos ou medicamentos, não há testes para tudo”, faz saber o especialista.
Entre as medidas para baixar a prevalência das alergias a ácaros e polens, o médico destaca as não farmacológicas: “Em casa, ter menos coisas no quarto, evitar roupa com muito pelo, optar por cortinados e tapetes mais finos e fazer limpeza regularmente.” Quanto aos purificadores do ar, “ainda há poucos estudos e dados sobre a sua eficácia científica.”
A segunda linha de intervenção passa pelo uso de sprays, gotas oculares e anti-histamínicos. Estes podem ser prescritos como prevenção, caso se justifique (antes de cortar relva, por exemplo), ou quando as medidas comportamentais não bastam. Por fim, a imunoterapia: “São vacinas específicas e personalizadas para dessensibilizar o doente, com várias administrações; baixam os anticorpos, ficam mais estabilizados e as melhorias são graduais.”
Desdramatizar é preciso
E o que pode acontecer quando se descobre que se tem alergia a cães, a gatos, a alimentos, em particular, se forem os filhos? Até que ponto a cura – excesso de zelo na limpeza ou nos cuidados preventivos – pode ser pior que a doença? A trabalhar na área de imunoalergologia pediátrica, o médico apela ao bom senso.
“Não é preciso ser fundamentalista na desinfeção”, sublinha, até porque há situações em que a causa é multifatorial e havendo antecedentes genéticos, de pouco vale preocupar-se em excesso.
Identificar a situação, controlar os sintomas e ter cuidados básicos sim, mas que não se deixe de ter o cão ou o gato, ir à praia ou à piscina. Muito do que é feito em consulta passa pela educação: a ideia é sair de lá com mais opções, e não com novas restrições.
Se tem patologia cutânea, importa hidratar a pele, usar proteção solar e evitar exposição em certas horas. Se o problema for o animal doméstico, não colocá-lo no espaço onde dorme nem estar muito próximo pode ser uma solução. E fazer-se acompanhar da medicação, sempre que necessário. Dito isto, “nunca se limitem, devem aproveitar as férias para fazerem coisas de que gostam”.
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