Esquecemo-nos da Covid-19, mas ela não se esqueceu de nós. Felizmente, os cientistas também não se esqueceram desta doença que, em Portugal, já matou mais de 26 mil pessoas e, no mundo, mais de 6,8 milhões. No dia 21 de fevereiro, o último em que há informação disponibilizada pela Direção Geral da Saúde, morreram 12 pessoas no nosso país.
Uma investigação publicada agora na base de dados medRxiv, e ainda para ser revista pelos pares, foi feita com 640 mil pessoas que, na Alemanha, estiveram infetadas com o SARS-CoV-2 em dezembro de 2020, um grupo que foi comparado com 1,5 milhões que não apanharam o vírus, Todos foram acompanhados ao longo de 2021. É o maior estudo deste género.
As conclusões não são animadoras. A primeira: ter estado doente com Covid-19 aumenta em 43% o risco de vir a desenvolver uma doença autoimune. Nos 3 a 15 meses após a infeção, 15% das pessoas que tinham estado doentes desenvolveram uma destas doenças – e foram estudadas 30 autoimunes – pela primeira vez na vida.
Nas investigações anteriores, muito mais pequenas e limitadas, focou-se a anemia hemolítica autoimune, em que os próprios anticorpos do organismo destroem os glóbulos vermelhos, e a síndrome de Guillain-Barré, um ataque do sistema imunitário ao sistema nervoso periférico, que causa fraqueza muscular. Mesmo nesses estudos já havia sido determinada uma ligação da Covid-19 ao risco aumentado de desenvolver estas duas doenças.
O que esta investigação alemã vem mostrar é que há muitas outras doenças autoimunes que a Covid pode espoletar. A que apareceu com mais incidência foi a vasculite, uma inflamação dos vasos sanguíneos, sejam veias ou artérias – no caso deste estudo, o grupo das pessoas que tiveram Covid-19 apresentou um risco 63% maior de desenvolver arterite temporal, ou das células gigantes, que afeta as artérias que fornecem sangue à cabeça ou ao cérebro.
Outras doenças autoimunes de relevância foram observadas na tiróide e na pele (psoríase, por exemplo). De destacar ainda a prevelência da artrite reumatóide.
Mesmo as pessoas que já tinham uma doença autoimune e foram infetadas com o SARS-CoV-2, tiveram um risco aumentado (em 23%) em vir a desenvolver uma segunda doença deste tipo. Mas, desde logo, não sabemos como se comportam as várias variantes do vírus, tendo em conta que a investigação está limitada no tempo.
A resposta imunológica do organismo à Covid-19 pode ser a chave para desvendar os mistérios da Covid longa, acreditam os cientistas. Um estudo sueco agora publicado na The Lancet Regional Health Europe seguiu um grupo de pacientes durante dois anos. Os seus sintomas persistentes vão da fadiga aos aspetos cognitivos e sensório-motores. Alguns estudos sugerem que a resposta imune ao vírus é o que desencadeia a inflamação no cérebro, mas a Ciência ainda não entende como se dá este processo.