O sono não é apenas a ausência de estar acordado, não é um estado de “desconexão” com o exterior que desliga a nossa consciência da realidade por um tempo, mas sim um processo ativo no qual se observa um padrão cíclico de complexas atividades cerebrais incessantes e que formam as diversas fases do sono. Anteriormente subestimado e negligenciado, o sono tem sido alvo de crescente atenção pela comunidade médica, baseado na evidência científica cada vez mais sustentada que relaciona os problemas do sono com determinadas doenças. Vivenciamos uma era em que as questões relacionadas com o sono são uma preocupação para a população geral, que está cada vez mais sensibilizada e consciencializada para o papel fundamental do sono no desenvolvimento saudável e seu impacto na qualidade de vida. Quando se trata da saúde, o sono é uma função biológica essencial, tão vital quanto a prática regular de exercício ou uma dieta equilibrada.
O número de horas de sono e as consequências que daí advêm têm sido motivo de preocupação em todos os grupos etários. Embora existam diferenças individuais na duração do sono (e presumivelmente nas necessidades de sono) em todas as idades, está bem estabelecido que a duração média e o padrão do sono mudam com a idade. É inquestionável que as crianças precisam de dormir mais do que os adultos. Os seus organismos em crescimento e cérebro em desenvolvimento necessitam de imensa energia e, consequentemente, repouso e recuperação adequados. À medida que amadurecem, as crianças começam a assumir padrões de sono semelhantes aos dos adultos (com diminuição da quantidade total de sono e consolidação do sono no período noturno). A tendência de diminuição do tempo de sono continua com o passar dos anos, mas, em pessoas saudáveis, parece estabilizar por voltar dos 60 anos.
Todavia, não existe um “número mágico” em termos de tempo ideal de sono por noite, e as recomendações devem ser individualizadas para cada pessoa, pois a noção de sono ótimo é complexa e as necessidades de sono são determinadas por um conjunto de fatores inter e intraindividuais (por exemplo: predisposição genética; fatores ambientais e comportamentais). De um modo geral, a partir da idade adulta, é recomendado dormir pelo menos sete horas por noite (sete a nove horas em adultos jovens e até aos 65 anos; sete a oito horas em adultos com mais de 65 anos). Assim, apesar da perceção global de que um adulto de meia-idade necessita de dormir menos horas do que um jovem adulto, a verdade é que a quantidade de sono necessária tem apenas uma ligeira variação com o passar dos anos.
Muitos adultos mais velhos têm dificuldade em dormir o tempo de que necessitam, mas isso não significa que precisem de dormir menos. A necessidade e a capacidade para dormir são dois pontos distintos. É certo que, com a idade, a capacidade para dormir diminui e algumas pessoas presumem que a sua incapacidade para dormir profundamente ou por longos períodos é sinal de que não precisam de tanto descanso, o que provavelmente não é verdade.
Mas não é apenas a quantidade do sono que se altera em função da idade. A idade está também associada à diminuição da capacidade para manter o sono e duração do sono noturno e aumento do tempo acordado passado na cama. Por outro lado, os adultos de idades mais avançadas tendem a passar mais tempo nas fases iniciais e mais leves do sono e menos tempo no sono profundo. Essas mudanças podem contribuir para que os idosos tenham um sono mais fragmentado e menos reparador. Adicionalmente, os idosos fazem mais sestas diurnas que, apesar de poderem ser benéficas, se forem prolongadas e no final do dia, podem dificultar o adormecer à noite e associar-se a interrupções noturnas do sono. Este período da vida é ainda acompanhado por alteração do ritmo diário biológico para um cronótipo matutino (por exemplo, os idosos tendem a adormecer mais cedo e consequentemente acordam cedo de manhã – condição médica conhecida como avanço de fase do sono).
Todas estas transformações do sono ocorrem devido a uma multiplicidade de processos fisiológicos normais que acontecem com a idade e que alteram o “relógio interno” do corpo. Fatores sociais e psicológicos, como mudanças no estilo de vida (reforma, inatividade física, diminuição das interações sociais), mudanças no metabolismo e na produção de determinadas hormonas (como o cortisol e a melatonina), mudanças ambientais (institucionalização em lares/casas de acolhimento) e diminuição da exposição solar, também contribuem para acentuar as alterações do sono relacionadas com a idade.
Contudo, a redução da quantidade e qualidade do sono em pessoas com mais de 65 anos não é necessariamente explicada pelo avançar da idade. É indubitável que o envelhecimento se acompanha, frequentemente, de uma deterioração da saúde. Uma percentagem significativa de pessoas com mais de 65 anos apresenta outras condições médicas crónicas (com dores e aumento da frequência urinária noturna), doenças psiquiátricas (ansiedade e depressão) ou doenças primárias do sono (insónia, síndrome de pernas inquietas, apneia do sono), que também contribuem para as alterações do sono experienciadas nestas idades.
Ainda que a capacidade de adaptação do corpo humano seja surpreendente e uma pessoa possa crescer e viver com um sono insatisfatório e desajustado, sem consequências negativas a curto prazo, com o passar dos anos, o sono insuficiente e de má qualidade pode alterar a função de alguns órgãos vitais. Tal resulta num consequente aumento da probabilidade de determinadas doenças, como demências, doenças cardíacas, diabetes, obesidade.
Em suma, tanto a duração quanto a estrutura e o padrão do sono mudam com a idade e refletem alterações na fisiologia e na saúde. No entanto, é fundamental dormir o suficiente, mesmo em idades mais avançadas. Um sono perturbado, acordar cansado todos os dias ou fadiga diurna excessiva não fazem parte do envelhecimento normal. Nesses casos, pode ser importante consultar um profissional de saúde especializado na área.