Em janeiro de 2020, investigadores da Universidade de Cardiff, no País de Gales, apresentavam os resultados de uma investigação que acreditava no desenvolvimento de uma terapia universal para todos os tipos de cancros. Os investigadores testaram um novo método terapêutico com sucesso, conseguindo eliminar células associadas aos cancros de pulmão, pele, sangue, cólon, mama, ossos, próstata, ovários, rim, e cervical durante ensaios efetuados em laboratório. Na origem destes testes bem sucedidos, publicados na revista Nature Immunology, encontravam-se células T, que fazem parte do sistema imunitário dos seres humanos.
Agora, um nova ensaio clínico mostrou que a edição de genes CRISPR pode ser utilizada para alterar as células imunológicas com o objetivo de que elas reconheçam proteínas com mutações específicas dos tumores de um doente. Essas células podem ser libertadas com segurança no corpo para encontrarem e destruirem os seus alvos. “Estamos a tentar criar um exército com as próprias células T do doente”, disse, em declarações à Nature, Antoni Ribas, médico e investigador em cancro da Universidade da Califórnia, Los Angeles.
A designação CRISPRs, Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, normalmente utilizada quando nos referimos à edição genética, corresponde a famílias de sequências de DNA encontradas em certas bactérias. As sequências contêm fragmentos de DNA de vírus que já infetaram anteriormente essas bactérias. O sistema CRISPR funciona como uma memória imunológica, armazenando a impressão digital molecular dos vírus no DNA das bactérias. É dessa forma que novas infeções podem ser detetadas e neutralizadas, resultando na imunização destas células.
Neste estudo, publicado na revista científica Nature e apresentado em Boston, Massachusetts, a 10 de novembro, os investigadores combinaram duas áreas relativas à investigação sobre o cancro, a edição genética para a criação de tratamentos personalizados e a engenharia de células imunológicas, as células T, com o objetivo de “atacar” os tumores. O método foi testado em 16 doentes com tumores, inclusivamente na mama e no cólon. “É, provavelmente, a terapia mais complicada já testada na clínica”, defendeu Ribas.
As células T são um grupo de glóbulos brancos conhecido por detetar, entre outras “ameaças” para os humanos, o desenvolvimento de células cancerígenas. A capacidade de deteção de diferentes microorganismos malignos resulta diretamente da atividade dos recetores químicos destas células, que através de processos químicos conseguem identificar ou localizar diferentes células.
A este fator junta-se uma proteína, a MR1, que se encontra na superfície das células e tem uma característica especialmente valiosa: aparentemente, fornece informação que permite confirmar que uma célula está em fase de degeneração. Caso tenham sido adaptadas para receber esta informação, as células T não só ganham a capacidade de identificar células cancerígenas, como podem destruir essas células, sem sequer afetarem células ou tecidos saudáveis. Esta informação tinha sido confirmada pelos investigadores do estudo de 2020.
“As mutações são diferentes em cada cancro. E embora existam algumas mutações partilhadas, constituem a minoria”, explicou Ribas. Por isso mesmo, a equipa do novo estudo começou por sequenciar o DNA de amostras de sangue e biópsias dos tumores para cada participante na experiência, com o objetivo de encontrarem mutações nesses tumores, mas não no sangue.
A seguir, utilizou um algoritmo que previu que mutações eram capazes de provocar uma resposta das células T. Realizou, então, análises para confirmar as suas descobertas e previsões e projetar proteínas receptoras das células T, capazes de reconhecer as mutações tumorais. Foram retiradas, depois, amostras de sangue de cada voluntário e utilizado o sistema CRISPR para inserir os genes que codificam esses receptores nas células T. Cada participante tomou medicação para reduzir o número de células imunes que produzia, e as células manipuladas foram infundidas. Todos os 16 voluntários receberam células T projetadas com até três alvos diferentes.
Os investigadores encontraram as células manipuladas a circular no sangue, sendo que estavam presentes em concentrações mais altas perto dos tumores relativamente às células não editadas antes do tratamento. Um mês após o processo, a equipa verificou que cinco dos participantes apresentaram doença estável, ou seja, os seus tumores deixaram de evoluir. Além disso, de todos os voluntários apenas dois tiveram efeitos colaterais provocados pelas células T editadas.
Este estudo está ainda numa fase inicial – é necessário continuar a investigar – e mostrou uma eficácia relativamente pequena, que pode também ser justificada pelas quantidades pequenas de células T que os investigadores utilizaram, por questões de segurança. Agora, acreditam que podem dar um passo à frente nas próximas investigações.
As células T editadas são chamadasT CAR e estão aprovadas para o tratamento de alguns cancros do sangue e linfa, sendo eficazes apenas contra proteínas que são expressas na superfície das células tumorais. Contudo, os tumores sólidos têm representado um desafio maior.
Como explicou Joseph Fraietta à Nature, investigador na Universidade da Pensilvânia, Filadélfia, as proteínas de superfície comuns não foram encontradas em tumores sólidos, que fornecem barreiras físicas às células T: estas células têm de circular pelo sangue, viajar até ao tumor e infiltrar-se para matar as células cancerígenas, tornando-se menos funcionais assim que atingem o local. O objetivo dos investigadores é, portanto, projetar células T que não reconheçam apenas mutações nos cancros, mas também para serem mais ativas perto dos tumores.