Já se sabia que os produtos usados para alívio da dor no aparecimento da dentição eram perigosos para as crianças. A primeira advertência veio em 2006, altura em que se registaram 29 casos de metahemoglobinemia, também conhecida por meta-Hb, um efeito secundário que se manifesta na redução dos níveis de oxigénio na corrente sanguínea, podendo ser fatal. Destes casos, 19 acontecerem em crianças – e 15 delas tinham menos de dois anos.
Em 2011, a agência americana do medicamento (FDA) voltou a chamar a atenção para os riscos do agente tóxico, por ter identificado consequências sérias na saúde dos bebés. Contudo, não conseguiu que a mensagem chegasse a todos, até que os efeitos adversos falaram mais alto. Falta de ar, dor de cabeça, taquicardia, palidez e unhas azuladas são alguns dos sintomas desta condição. Só nos últimos oito anos, pode ler-se na nota daquela autoridade de saúde, foram avaliados 119 casos graves que precisaram de tratamento, sendo 22 deles em idades inferiores aos 18 anos e 11 em crianças com menos de dois anos. Registaram-se ainda quatro mortes.
A fim de garantir a implementação de medidas de segurança para os consumidores, a FDA lançou um comunicado na passada quarta-feira, 23 de maio, dirigido aos fabricantes. Se estes quiserem continuar a ver os seus produtos nas prateleiras, dispõem de um mês para introduzir as mudanças solicitadas. Entre elas, colocar um aviso nas embalagens dos anestésicos para uso oral sobre os riscos associados ao consumo destes produtos, nomeadamente de metahemoglobinemia, bem como mencionar, nos folhetos informativos, indicações aos pais e cuidadores, no sentido de não usarem o princípio ativo em crianças com dois anos ou menos e que estejam com dores associadas à fase da dentição. As recomendações da Academia Americana de Pediatria convidam à recuperação de práticas antigas e seguras, como massajar as gengivas da criança com um dos dedos da mão e usar mordedores de borracha. Em paralelo, a FDA lançou um pequeno vídeo no Youtube, de forma a chegar ao público.
Em Portugal, e à semelhança do que se passa nos outros países-membros da União Europeia, o panorama é diferente. Para melhor. A garantia é dada por Sofia Oliveira Martins, vogal do conselho diretivo do Infarmed: “Os medicamentos de venda livre passam sempre pelo atendimento de um profissional de saúde e não há nenhum produto para bebés que contenha benzocaína.” Ao comprar marcas como Bucagel e similares, o consumidor português está a adquirir um produto à base de uma proteína derivada do leite de vaca e, mesmo assim, o possível risco de alergias consta na bula e na embalagem. Em contrapartida, nos EUA, como no Reino Unido, “o consumidor tem acesso direto aos fármacos em estabelecimentos comerciais e o perfil de consumo infantil é muito superior ao europeu”, acrescenta Sofia Oliveira Martins.
Neste cenário, marcas comercializadas do outro lado do Atlântico, como Orajel, Anbesol, Orabase, Hurricaine e Topex, podem equiparar-se aos princípios ativos que se vendem cá sob a designação de Dentispray e Topigel, sendo este último sujeito a receita médica e apenas com indicação para uso acima dos seis anos de idade e em situações de dor aguda, enquanto se vai a caminho do dentista. “Trata-se de anestésicos com dosagens superiores às usadas para o alívio da dor de garganta” (Mentocaína, Mebocaína, Tantum Verde, com cerca de 3 a 5 miligramas) e que, apesar disso, não estão à mão de semear nos estabelecimentos europeus. Talvez por isso o sistema de farmacovigilância da UE não tenha detetado casos de reações adversas, como sucedeu nos EUA.