Reparação, segunda vida, venda de usados. São termos aliados do ambiente, mas contraintuitivos do ponto de vista das empresas. Afinal, a obsolescência é a alma do negócio. Se tudo durar mais tempo, compramos menos. O que tem uma empresa a ganhar com, por exemplo, iniciativas que promovam o prolongamento do tempo de vida útil dos objetos?
Muito, garante Ana Barbosa, diretora de sustentabilidade da IKEA, que tem investido em projetos de promoção da reparação e reutilização (nomeadamente as Green Fridays, que servem de contraponto à Black Friday). “Como empresa, como marca para o futuro, temos de ter estas soluções. Caso contrário, o consumidor vai procurá-las de outra forma. É verdade que estes serviços, nos primeiros anos, não têm rentabilidade financeira de uma máquina já muito bem oleada de 80 anos, como é o caso da IKEA. Mas são uma aposta no futuro, numa nova fonte de receitas.”
Hoje, sublinha, na Conversa Verde, uma empresa não pode estar preocupada apenas com as receitas imediatas. “Todos temos de consumir com consciência. É importante consumir bem, de forma informada escolher produtos que sejam, dentro do possível, de sustentabilidade integrada. Isso obriga as empresas a um grande trabalho de casa e os consumidores a estarem cada vez mais informados, a fazerem as perguntas certas.”
Promover a economia circular, a segunda vida dos produtos, a compra de móveis usados, tudo isto faz parte desse caminho. “Na Green Friday [em novembro], recebemos 17 mil móveis de volta que foram revendidos na área circular. Este número cresce a cada ano, o que nos indica que há uma necessidade crescente deste tipo de soluções.” A empresa está a investir no alargamento ao e-commerce dessa área circular, de venda de móveis usados, conhecida do público por secção de oportunidades.
Ana Barbosa assegura que a preocupação ambiental é um dos motores desta nova área de negócio. “As pessoas estão cada vez mais preocupadas com as alterações climáticas, e os portugueses são dos mais preocupados entre os Europeus e até a nível global. Querem mudar os seus hábitos, querem tomar mais iniciativas… Muitas vezes não sabem exatamente o que fazer, precisam de muita orientação e esperam da parte das empresas essa orientação.” Mas, admite, o “aspeto financeiro é ainda dominante, quando as pessoas fazem uma escolha de sustentabilidade”.
‘Se dermos aquele jeitinho no parafuso…’
Na área da casa e decoração, a circularidade e a redução do desperdício dependem da possibilidade de reparar os móveis, o que passa por disponibilizar peças e parafusos, pela sua durabilidade, pela multifuncionalidade e pela facilidade de os montar e desmontar. Só em última linha está a reciclagem.
Mas esticar o tempo de vida dos móveis também depende de pequenos cuidados básicos da nossa parte, realça Ana Barbosa. “Passa, desde logo, por uma montagem correta, mas também por manutenção, que pode ser apertar parafusos regularmente, que é algo que todos sabemos que devemos fazer, mas nem toda a gente faz. Se dermos aquele jeitinho no parafuso, a cadeira já não abana. Também é preciso fazer o tratamento de superfícies, sejam elas pele ou madeira.”
Outra saída é personalizar os objetos, continua a diretora de sustentabilidade da IKEA. “Temos tutoriais e dicas de inspiração para os nossos clientes. Por vezes, pintar ou mudar a porta a um móvel fá-lo parecer novo, e isso também faz com que viva mais tempo na minha casa.”
As empresas têm também a responsabilidade de manterem uma operação ambientalmente sustentável a montante, de modo a cobrir todas as suas operações, incluindo os fornecedores. “Temos a ambição de usar apenas matérias-primas renováveis ou recicladas e de reduzir a nossa própria pegada [ecológica] em 50% até 2030.”
Em Portugal, uma aposta fundamental é a transição energética. “Desde 2016, já reduzimos a pegada dos nossos edifícios em mais de 80%. Isto significa que tivemos de fazer uma grande transição energética, eliminar combustíveis fósseis nas nossas operações diárias, recorrer a eletricidade renovável, quer seja dos nossos próprios painéis solares, quer seja a eletricidade certificada como renovada da rede. E, ao mesmo tempo, trabalhamos com eficiência energética, eficiência nos consumos, redução de desperdício. Portugal é um dos países em que estamos mais adiantados do ponto de vista do objetivo de redução total da pegada.”
A IKEA já instalou, nas suas lojas, mais de 11 mil painéis solares. Um investimento que Ana Barbosa usa para lembrar que a sustentabilidade ambiental tem vantagens claras do ponto de vista financeiro. “Fica caro não ser sustentável. São investimentos bons para o planeta e bons para a carteira.”
Outro fator importante é garantir matérias-primas através deste caminho de sustentabilidade, nomeadamente mantendo o foco nos materiais reciclados. “Podemos, num futuro não muito longínquo, ter problemas com a origem de matérias-primas virgens. Todo este trabalho permite-nos fazer investimentos sólidos, permite-nos assegurar a nossa própria cadeia de valor.”
Por outro lado, acrescenta, “os colaboradores e os clientes estão cada vez mais atentos e preocupados”. “Exigem soluções às empresas, e uma empresa que não está a fazer o seu caminho, que não está a fazer o seu trabalho de casa, que não apresenta soluções não vai ser uma empresa procurada para trabalhar ou para comprar. Isto pode não ser visível para muitas empresas agora, mas para nós é claríssimo. Daí a nossa aposta na sustentabilidade como uma oportunidade. Também é uma responsabilidade, mas é uma oportunidade de negócio.”
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