“Antes de decidir ser mãe, passei muitas horas a alimentar ouriços órfãos. Quando vi que era capaz de cuidar de ouriços, ginetas e lontras, percebi que se calhar podia ser mãe”, ri-se Fábia Azevedo. A coordenadora do RIAS – Centro de Recuperação e Investigação de Animais Selvagens da Ria Formosa, em Olhão, conta a história para ilustrar o trabalho exigente e contínuo para tratar de crias órfãs e animais feridos ou doentes, que implica, por exemplo, ter alguém a trabalhar para alimentar bichos de duas em duas horas, incluindo depois de o sol se pôr. “Temos pessoas dedicadas exclusivamente a estes animais, incluindo durante a noite.”
O RIAS existe há 25 anos, mas em 2009 deixou de ser gerido pelo Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e passou para a associação Aldeia. Anualmente, recebe 3 mil animais; cada um, permanece em média um ou dois meses, mas em caso de fratura grave, por exemplo, que necessita de fisioterapia, chega a ficar um ano.
A maioria dos ferimentos são provocados pelo Homem, direta ou indiretamente, com os atropelamentos no topo das causas. O trauma, no entanto, é só a terceira causa mais comum, conta. “A primeira causa são as doenças. Um caso muito particular, que está a trazer centenas de aves ao centro, é uma doença que chamamos síndrome parético, uma espécie de intoxicação alimentar provocada na natureza, que causa diarreias, vómitos, fraqueza; deixam de se conseguir alimentar e ficam até paralisadas.”
A segunda causa são as quedas de ninhos e animais que ficam órfãos. “Temos centenas de animais nessa situação.” Se o ninho for de fácil acesso, as pessoas devem tentar devolver ao ninho, apela. “Se não for possível, devemos tentar observar de longe, porque na maior parte das vezes os pais continuam a alimentar as crias. Ou então encaminhar para um centro de recuperação. O nosso instinto é levar para casa, mas não podemos fazê-lo.”
Quem quer ajudar?
O grande desafio do RIAS é libertar o animal tratado. “Isso implica ensinar as aves a caçar”, explica Fábia Azevedo. “No caso dos mamíferos, o desafio é ainda maior: evitar que fiquem domesticados.” Para isso, os técnicos e voluntários do centro tentam minimizar o contacto. “Um animal domesticado não pode ser devolvido à natureza, porque perde o medo às pessoas, e isso pode ter consequências dramáticas. Em caso de necessidade, vai aproximar-se de aldeias, de pessoas, à procura de alimento, e pode ser morto.”
A equipa tem sempre pelo menos 10 pessoas, mas na primavera e no verão, quando os animais procuram parceiro para acasalar, aproxima-se do dobro, para lidar com o aumento de animais. Para isso, contam com apoios de várias entidades, desde o aeroporto de Faro e o ICNF ao Fundo Ambiental e aos municípios do Algarve, além de projetos em parceria com empresas como a Águas do Algarve.
“As pessoas também nos podem dar donativos”, diz a coordenadora. “Está a decorrer uma campanha de crowdfunding para nos prepararmos para a época das crias. Precisamos de contratar dois técnicos especializados e de adquirir alimento para os mais de 300 bebés que nos chegam.” A campanha está a correr bem: o objetivo era €3 200, mas já angariaram €4 mil, e o prazo só termina a 7 de maio.
Mas o que vier a mais não se desperdiça, garante Fábia Azevedo. “Felizmente, já atingimos esse objetivo e podemos alargar as nossas expectativas. O extra que estamos a receber vai servir para preparar uma instalação para as crias de aves, para poderem treinar o voo e a caça antes de serem devolvidas à natureza. Se não fosse o apoio destas pessoas, isto não seria possível. Tudo o que nos puderem dar vai ser bem empregado. Um euro dá para comprar uma latinha de ração húmida. Quinze ou 20 euros paga um quilo de insetos vivos, que dá para dois ou três dias para as crias em recuperação.”
Neste momento, entre os muitos animais em recuperação no RIAS, destacam-se gaivotas, corujas bebés, uma cegonha, melros, um abutre-do-egito e muitos ouriços. “São animais noturnos que atravessam a estrada à procura de alimento. É preciso termos muito atenção na estrada. Muitas vezes as mães são atropeladas e ficam as crias… Já me aconteceu encontrar uma ninhada de ouriços bebés ao lado de uma mãe morta atropelada. É desolador.”
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