Para salvar a pele Benjamin Netanyahu começou a soltar os demónios da nação e agora talvez já não possa voltar atrás, mesmo que o quisesse, porque se deixou sequestrar politicamente por extremistas judeus ultra-ortodoxos e gente de extrema-direita.
Na tentativa de fugir às acusações de corrupção, fraude e abuso de confiança de que é alvo, o primeiro-ministro esgalhou um governo de coligação com a pior escória política do país para se tentar manter no poder o maior tempo possível.
É dos livros que qualquer país sem uma Constituição escrita só funciona se mantiver um estado de direito democrático, o que pressupõe equilíbrio de poderes. Pois o primeiro-ministro israelita entendeu acabar com esse equilíbrio de forma que a justiça não possa tocar-lhe, ao fazer aprovar legislação que confere ao poder político o controlo total sobre o poder judiciário, acabando com qualquer margem de independência da justiça.
Os estados que dispõem duma constituição escrita asseguram à partida as liberdades pessoais e colectivas, a igualdade dos cidadãos perante a lei e sobretudo a liberdade religiosa de todos, incluindo as minorias. O que sucede na prática é que Israel está a deixar de ser uma democracia no sentido profundo do termo e a caminho duma autocracia com contornos religiosos.
Assim, e segundo Esther Mucznik, a actual legislação prevê tanto a anexação da Cisjordânia, deixando assim os palestinianos definitivamente como cidadãos de segunda classe, a diminuição dos direitos das mulheres (que se passam a sentar apenas na parte traseira dos autocarros, à maneira da América de má memória, antes dos direitos civis), restrições à liberdade de imprensa e à liberdade religiosa, a dispensa dos ultra-ortodoxos prestarem serviço militar e outros desmandos típicos dos regimes autocráticos.
Mas as coisas não ficam por aí, tudo leva a crer que, a seguir neste caminho, se prepara em Israel uma teocracia judaica à maneira do Irão xiita. Mas os israelitas não parecem dispostos a desistir, apesar de muitos já estarem a sair do país para se fixarem noutras paragens incluindo Portugal.
Nos últimos sete meses dezenas de milhares de pessoas de todos os sectores sociais têm vindo a protestar nas ruas, de forma recorrente, incluindo banqueiros, estudantes, académicos e antigos membros da Mossad, além dum significativo número de militares na reserva que se recusam a servir estes governantes que estão a matar o regime democrático. Todos os sábados mais de 100 mil israelitas se manifestam na rua contra a reforma judicial promovida pelo governo.
Israel continua a ser um ponto central para muitos cristãos, que cometem o erro crasso de confundir o antigo povo hebreu com quem Iavé estabeleceu uma aliança, através de Abraão, com o Israel moderno nascido em 1948 por via da conjuntura política, pela mão dos ingleses e que pouco ou nada tem que ver o povo de Velha Aliança.
A judaização das igrejas nalguns sectores evangélicos quase fazem depender a salvação do crente de uma ligação espiritual a Israel. Promovem peregrinações ao país e baptismos no rio Jordão, como se tais águas tivessem alguma virtude em si mesmas, já para não falar das imitações rascas da Arca da Aliança a circularem nos cultos e à pretensa reprodução do Templo de Salomão em São Paulo, by Edir Macedo. Portanto, tais cristãos em vez de procurarem converter os judeus à sua fé, estão a ser convertidos a um judaísmo, ainda que soft.
Acontece que Jesus Cristo cumpriu em si toda a lei de Moisés e o apóstolo Paulo esclarece de forma peremptória que, ao fazê-lo, “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” (Gálatas 3:13). Sim, a lei de Moisés, apesar de santa funcionava na prática como uma maldição porque ninguém a podia de facto cumprir em toda a sua extensão.
Alguém disse que era uma espécie de espelho moral para os israelitas do Antigo Testamento entenderem que nunca poderiam ser salvos pelos méritos pessoais. Acresce que Tiago afirma: “qualquer que guardar toda a lei, e tropeçar em um só ponto, tornou-se culpado de todos” (Tiago 2:10) Não há, portanto, como fugir. Por isso está escrito: “Não há um justo, nem um sequer” (Romanos 3:10).
Iavé falou ao povo pela boca dos profetas: “שמע ישראל יהוה אלהינו יהוה אחד” (“Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor!”, Deuteronómio 6:4). Mas Israel não ouviu, e recorria por vezes a divindades do paganismo cananita devido a interesses pontuais, tendo pago muito caro por isso. Tal como agora Netanyahu recorre a extremistas para salvar a pele, mas, tal como os líderes veterotestamentários, não é só ele que vai acabar por pagar muito caro a ousadia, mas toda uma população e um país.
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