Uma delas é a tentação de se envolverem na política partidária, através dos respetivos líderes religiosos, como sucede no Brasil ou nos Estados Unidos e nalguns países da América Latina, a fim de terem relevância social e política, mas quase nunca corre bem.
O pretexto é influenciar a sociedade, mas o que realmente acontece é que acabam por perder o norte e vender-se a um sistema pouco transparente, tendo em vista interesses económicos pessoais e de grupo. Nalguns casos tornam-se ainda mais corruptos do que aqueles que supostamente não têm obrigação de responder a uma ética cristã. Daqui resultam invariavelmente escândalos e divisão nas comunidades locais de fé, assim como uma quebra da boa imagem que deveriam preservar a todo o custo.
O problema é que, olhando para o exemplo de Jesus Cristo, não se vislumbra nele qualquer apetência pelos corredores do poder político, nem sequer religioso. Preferiu sempre andar no meio do povo a fazer o bem e a proclamar a chegada de um reino espiritual, o reino de Deus ou reino dos céus: “É chegado o reino dos céus” (Mateus 10:7).
Outra das armadilhas é o fechamento dos pastores em si mesmos, daí resultando a alienação pessoal e das suas comunidades de fé, abrindo caminho ao sectarismo. Quem entra por esta via desenvolve um espírito de seita. Pensa que é o único que se mantêm firme na verdade doutrinária ou na boa praxis e que tudo o mais são heresias.
Chega a combater até os irmãos da mesma confissão ou de outras próximas, mesmo quando as diferenças entre eles são irrelevantes. Torna-se mentalmente rígido, intolerante e não se dispõe a um diálogo sincero e verdadeiro com quem quer que seja, desde que se situe fora do seu círculo. No fundo, o que está por detrás deste tipo de atitudes é sempre uma grande insegurança. Quem sabe o terreno que pisa não tem medo nem foge do confronto franco e sadio de ideias e conceitos.
Jesus debateu com todos quantos lhe surgiram pela frente. Estava disponível para ouvir (coisa difícil hoje em dia) e esclarecer. Quando percebeu má-fé chegou a ser duro, mas para os sinceros foi sempre amável.
Qualquer uma destas posturas leva tais personagens a julgarem-se pequenos davides a lutar contra os gigantes golias, caindo assim na mesma loucura que Cervantes atribuiu a D. Quixote quando investia a galope contra moinhos de vento, julgando-os terríveis inimigos.
A Jornada Mundial da Juventude, realizada há dias em Lisboa, serviu como catalisador do complexo de minoria nalguns meios, tendo em conta os números impressionantes verificados nos dois últimos dias. Houve quem rejubilasse quando o tema do abuso sexual de crianças por sacerdotes católicos e outas pessoas da igreja estava na agenda mediática. Perguntaram-me num programa de televisão se eu pensava que o escândalo iria prejudicar a JMJ que se aproximava. Respondi que não. O tempo mostrou que tinha razão.
Perante o sucesso do evento, os sectários declararam que durante aquela semana nem abririam a televisão. Outros apontaram baterias a um músico profissional que é evangélico e ousou aceitar um convite para cantar no evento. Também houve quem criticasse com acidez alguém do mesmo meio que esteve ao serviço de um canal de televisão enquanto comentador. Mas, curiosamente, e talvez devido à falta de exposição pública, ninguém criticou, por exemplo, técnicos de saúde evangélicos que apoiaram o evento por opção, ao serviço do INEM.
Tudo isto revela que o complexo de minoria promove atitudes sectárias, cegas e irracionais. E contrasta escandalosamente com a mensagem inclusiva de Francisco quando proclamou reiteradamente que a Igreja é para todos, na esteira do Cristo Ressuscitado.
Em razão do sectarismo, alguns religiosos vão-se afastando da palavra e da postura do fundador da Igreja, “autor e consumador da fé” (Hebreus 12:2), o Jesus de Nazaré que acolheu toda a gente: crianças, homens e mulheres, gentios e judeus, soldados romanos, israelitas e estrangeiros, ricos e pobres, indoutos e membros do Sinédrio, portadores de deficiência física, mental e indivíduos espiritualmente perturbados, sem lhes impor previamente um crivo doutrinário ou moral.
Lembro aqui o episódio do evangelho em que Jesus curou dez leprosos e apenas um voltou atrás para lhe agradecer tal graça. Se pudessem, os sectários castigariam os outros nove devolvendo-lhes a doença, mas Jesus não o fez. Limitou-se a abençoá-los a todos e a seguir o seu caminho (Lucas 17:12-19).
No fundo, os sectários são religiosos do estilo “sepulcros caiados” (“Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas! Pois que sois semelhantes aos sepulcros caiados, que por fora realmente parecem formosos, mas interiormente estão cheios de ossos de mortos e de toda a imundícia”, Mateus 23:27). O que não são é discípulos de Jesus.
Acreditem que tenho muita pena dessa gente.
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