Há histórias que são um clássico. Esta, a de Durão na Goldman Sachs e posterior indignação das instituições europeias, é uma delas. Comecemos pelo princípio. A Goldman Sachs não é um banco qualquer. A Goldman Sachs é uma espécie de líder de Wall Street, apontada pelos pares da banca de investimento como a instituição mais agressiva no mercado. Onde há poder e dinheiro, eles – os Goldmanites (como são conhecidos na gíria financeira), estão lá e eles são bons. Muito bons. Mesmo que seja preciso fintar a concorrência e a lei e encontrar buracos, legais ou morais, para sair vencedor.
Como explicou a VISÃO num recente artigo de fundo, as polémicas acerca da conduta da Goldman Sachs (e do seu papel nas várias bolhas especulativas à crise do subprime) são mais do que muitas, já fizeram correr rios de tinta, sugestionando metáforas esclarecedoras, como a que usou Matt Taibbi em 2009, quando lhe chamou uma gigantesca lula-vampiro-do-inferno “enrolada em torno da face da Humanidade e a sugar-lhe tudo o que cheire a dinheiro”. Por cá, há quem também não seja meigo nas palavras. O professor catedrático de Finanças João Duque apelidou-a de banco especialista em “chafurdices”, “um segmento com muita procura”, esclareceu. “Chafurdices” estas que, para piorar o cenário, deixaram mal a própria União Europeia no passado. A Goldman foi o parceiro precioso da Grécia para mascarar o estado das suas finanças públicas, arranjando um empréstimo secreto de 2,8 mil milhões de euros disfarçado de swap cambial, produto que não vai às contas. Ética? isso não vem ao caso.
É aqui que entra Durão Barroso. Ele, como todos os que saem de cargos públicos, tem naturalmente o direito a prosseguir com a sua vida. Aceitou o cargo da Goldman 20 meses depois de ter saído da Comissão, indo além do mínimo exigível. Mas também é verdade que tem especiais deveres de integridade e descrição por ter estado sentado nesta cadeira. Faz-se de Calimero e acusa a UE de discriminação, mas a Goldman Sachs não é um banco qualquer, repito. E o homem que presidiu ao órgão executivo da União vai agora trabalhar com a instituição que ajudou a contornar as regras europeias. Não pode nem deve esperar bonomias das cúpulas europeias.
A indignação de Juncker, dois meses depois do caso ser conhecido, também é sintomática. Outro clássico. É uma reação ao retardador de um homem fragilizado pelo LuxLeaks, forçada pela circunstância de ter uma provedora de Justiça (Emily O’Reilly) que gosta de fazer perguntas incómodas. Vem agora Juncker dar-se ares de virgem ofendida e tentar disfarçar os danos, retirando honras de passadeira vermelha a Barroso e impondo tratamento de lobista. A perder saem todos, menos a Goldman que, como sempre, soma e segue. Sempre foi assim. Mas isso já nem é notícia…