Norbert Hofer é um tipo sorridente e bem falante, com um slogan que fica no ouvido: “puro, honesto, bom”. Palavras bonitas que proferiu amiúde referindo-se a si e ao seu Partido da Liberdade durante a campanha para as eleições presidenciais austríacas, ao mesmo tempo que se batia pelo uso livre de armas. Tal como Donald Trump, adora-as. E acha-as mesmo essenciais no dia-a-dia. Repetiu que carregar a sua Glock era a única forma de se proteger nos “tempos incertos” da invasão de refugiados na Europa. Este tipo de argumentos, que juntou ao discurso populista eurocético e anti-imigração, valeram-lhe uma estrondosa – e alarmante – vitória no fim de semana passado.
Ganhou a primeira volta das eleições presidenciais austríacas em todos os estados exceto Viena, a larga distância do segundo candidato mais votado, Alexander Van Der Bellen, dos Verdes. Seja qual for o resultado na segunda volta a 22 de maio, será a primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial em que a presidência do país não ficará entregue a um dos dois partidos do centro, o SPÖ e o ÖVP, que juntos mal conseguiram alcançar um quarto dos votos.
Hofer, que começou por se destacar na defesa dos direitos dos deficientes (ele próprio ficou com problemas de locomoção, depois de um acidente com um parapente), tem hoje um discurso bem mais radical: já ameaçou que pretende fazer valer o direito presidencial e dissolver o parlamento antes das eleições agendadas para 2018. Com a sua vitória inesperada no sábado – imediatamente aplaudida pelo “amigos” Marine Le Pen em França e Geert Wilders na Holanda –, soaram os alarmes: será a Áustria o próximo país a juntar-se ao bloco dos países anti-Europa e anti-imigração de extrema-direita da Hungria e da Polónia?
Os sinais chegam dos quatro cantos do continente europeu: o momento económico e político, atiçado pela crise dos refugiados, é favorável a radicalismos nos extremos, ao mesmo tempo que os partidos “tradicionais” do centro estão a perder terreno.
No entretanto, é ver o que se passa na Polónia, onde na terça-feira Lech Walesa, outros dois ex-presidentes e mais signatários famosos apresentaram uma carta aberta denunciando o risco para a democracia dos atos do novo governo liderado pelo Partido Lei e Justiça, que desde outubro já aprovou leis para enfraquecer o tribunal constitucional e aumentar o controlo estatal nos media.
Para onde vamos, eis a questão. Ouvir Beata Szydlo (primeira-ministra da Polónia) a fazer campanha a favor do recuo na legislação sobre o aborto ou Viktor Orbán (primeiro-ministro da Hungria) dizer que “todos os terroristas são, basicamente, migrantes” devia fazer-nos pensar nos companheiros de União que temos e que Europa queremos ter.
Porquê preocuparmo-nos tanto com o Trump, se temos estes senhores aqui tão perto?