No passado dia 20 de outubro, entrou em vigor a portaria n.º 350-A/2025, de 9 de outubro que regulamenta a tramitação eletrónica dos processos que correm termos nos tribunais judiciais, nos tribunais administrativos e fiscais e nos serviços do Ministério Público (MP).
Já há muito que a Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto, estabelece no seu artigo 140.º que a tramitação dos processos é efetuada eletronicamente em termos definidos por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, devendo as disposições processuais relativas a atos dos magistrados e das secretarias ser objeto das adaptações práticas que se revelem necessárias. Mas, só no ano passado, a Portaria n.º 266/2024/1, de 15 de outubro procedeu ao alargamento das regras de tramitação eletrónica aos processos e procedimentos que correm termos nos serviços do MP.
Parece-nos consensual que a transformação digital da justiça é um meio indispensável para se obter resultados no incremento da celeridade processual. As ferramentas informáticas podem, efetivamente, desempenhar um papel importantíssimo na Justiça, particularmente, na tramitação de investigações mais complexas.
Estamos cientes de que o princípio do “digital by default” (no âmbito do qual os serviços devem estar concebidos para privilegiar a tramitação digital em vez da opção física) aumenta a eficiência, a transparência e a simplicidade da administração, tornando o digital o padrão, em vez de ser uma opção secundária.
Contudo, assistimos a um processo legislativo que visa atingir objetivos fixados no Plano de Recuperação e Resiliência – Recuperar Portugal, Construindo o Futuro (PRR), mas que se encontra completamente desfasado da realidade dos Departamentos de Investigação e Ação Penal (DIAP).
Vejamos.
Ao contrário de outros processos judiciais, a fase de inquérito do processo penal não é totalmente tramitada no sistema de informação de suporte à atividade dos tribunais, designado CITIUS.
Na verdade, na maioria dos casos, são os Órgãos de Polícia Criminal (OPC) que procedem à investigação criminal e praticam as respetivas diligências. O inquérito “vai e vem” do OPC ao Ministério Público e/ou ao Juiz de Instrução para determinados atos.
Concretizando.
O MP recebe a notícia do crime, dá o primeiro despacho, enquadrando a factualidade sob investigação e a qualificação jurídica e remete à Polícia Judiciária, PSP ou GNR, ou outro, para realização diligências pertinentes com vista a apurar da existência de um crime, determinar os seus agentes e a respetiva responsabilidade, bem como descobrir e recolher provas.
São os OPC que, nos respetivos sistemas informáticos, praticam as várias diligências. O desejável seria que, à medida que tais diligências fossem sendo efetuadas, surgissem automaticamente no sistema de suporte aos tribunais, mas não é isso que acontece.
O OPC, quando conclui as diligências (inquirições, perícias, etc.), remete-as em suporte papel (para que se garanta a autenticidade dos atos, nomeadamente, assinaturas de testemunhas) às secretarias que se limitam a digitalizar em bloco e a introduzir no referido sistema. Mas atenção: para o sistema informático suportar o carregamento da informação, as digitalizações não podem ter muita qualidade.
Além de digitalizações miseráveis, o tratamento digital da informação é uma miragem. Um simples “copiar e colar” do texto não é possível.
Era imperativo que toda a informação colocada no sistema estivesse em formato editável, nomeadamente, através de PDF (Portable document format), preferencialmente com conteúdo pesquisável, o que não se verifica.
De resto, os computadores fornecidos aos magistrados e às secretarias estão completamente obsoletos, lentos e sem capacidade de armazenamento.
Ora, é evidente que sem interoperabilidade entre os sistemas do MP e dos órgãos de polícia criminal, a digitalização não representa qualquer ganho significativo de celeridade.
Mas pior, de que serve a digitalização quando não se pode trabalhar a informação de forma digital? Para quê ter documentação digitalizada em bloco, se o sistema não permite indexar a informação?
Na prática, serve de muito pouco para atingir a almejada celeridade processual.
Acresce que os poucos funcionários judiciais que trabalham nos DIAP não tiveram formação adequada de forma a aproveitar as também poucas (mas melhores que nada!) funcionalidades do sistema CITIUS.
Se se pretende efetivos resultados no incremento da celeridade processual e da gestão eficiente dos recursos humanos nos tribunais e serviços do Ministério Público, não se invista em digitalizadoras! Invista-se, sim, em programas informáticos e ferramentas digitais que permitam aos magistrados trabalhar a informação de forma célere, eficiente e sem erros.
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