A atual direção do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público tomou posse em abril do ano passado. Desde então, solicitou audiências aos diversos grupos parlamentares, com quem reuniu e expôs as dificuldades dos magistrados do Ministério Público, em especial, na tramitação dos inquéritos crime.
Nos dias 25 e 26 de outubro de 2024, em Lisboa, decorreu uma conferência, organizada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, em conjunto com a Ordem dos Advogados, Associação Sindical dos Juízes Portugueses e Sindicato dos Funcionários Judiciais e subordinada ao tema “Processo Penal: O papel dos sujeitos processuais e o Estado de Direito”, na qual se discutiram várias causas que estariam na base da morosidade processual.
Unanimemente, apontou-se a modernização da justiça como fundamental para impulsionar a celeridade processual, dotando-se os agentes da justiça das ferramentas eletrónicas necessárias à investigação criminal, nomeadamente, no âmbito da criminalidade económico financeira.
Lançaram-se propostas concretas para a celeridade processual – recordemos, entre outras: as notificações por correio eletrónico, a reconfiguração da fase da instrução, o aproveitamento da prova coligida em inquérito, sem necessidade da sua repetição, a alteração do efeito do regime de recursos para o Tribunal Constitucional, tornando-o sempre meramente devolutivo e não suspensivo, entre tantas outras.
Logo no mês seguinte, no dia 7 de novembro, teve lugar, no ISEG em Lisboa, a conferência subordinada ao tema Funções Soberanas do Estado: transparência e combate à corrupção, coorganizada pelo Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal, Sindicato dos Funcionários Judiciais, Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos e Sindicato dos Trabalhadores dos Registos e do Notariado.
O segundo painel desta conferência contou com representantes dos grupos parlamentares, junto de quem também demonstrámos as nossas preocupações com a enorme carência de meios humanos, físicos e de ferramentas digitais.
Tentámos evidenciar os constrangimentos com que os magistrados do Ministério Público têm de lidar todos os dias. Lembro-me de ter convidado os senhores deputados ali presentes a passar um dia no meu gabinete, junto do DIAP Regional do Porto, e perceber a realidade do dia a dia do magistrado do Ministério Público que tramita inquéritos de criminalidade económico-financeira:
– Lidar com a frustração de não poder concluir um inquérito, porque a prioridade na investigação vai sempre sendo atribuída a processos com arguidos presos ou com risco de prescrição, passando os novos a ser eles também antigos;
– Estar dependente de elementos que estão fora do alcance e controlo do magistrado titular – imaginemos, um inquérito que aguarda um exame pericial a um computador ou telemóvel (que está em fila de espera com tantos outros à frente); ou aguardar um relatório do Núcleo de Assessoria Técnica em matéria económica, financeira, bancária, contabilística ou até de mercado de valores mobiliários;
– Aguardar a resposta a uma Carta Rogatória de Angola que, quando chega, impõe uma exaustiva análise a elementos financeiros, que leva tempo a mais do que seria desejável;
– Ter uma pendência processual muito mais elevada do que seria ideal, porque não há magistrados;
– A frustração de não conseguir dar resposta a tudo.
Ora, neste contexto, propor a avaliação de magistrados com base na duração média de processos revela não só uma falta de noção da realidade, mas, acima de tudo, parece-nos perigoso. Perigoso porque impor esta rapidez e pressão nos magistrados que investigam criminalidade complexa, vai seguramente conduzir “a não investigar”, pelo menos de forma cabal, precipitando os arquivamentos que, a final, favorecem apenas os agentes dos factos e prejudicam a boa administração da justiça.
Obviamente que o magistrado tem de ser avaliado e responsabilizado por atrasos relevantes que lhe sejam objetivamente imputáveis. Contudo, tal requer uma apreciação casuística e não baseada em critérios abstratos, porque cada caso é um caso e não há casos iguais.
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