Já tenho 26, entretanto, mas a minha opinião não mudou muito desde o ano passado. O 25 de novembro é uma data que passa ao lado dos manuais de história com que a minha geração cresceu. E passa ao lado da maioria das pessoas, na verdade.
A primeira vez que ouvi falar do 25 de novembro foi pelo meu padrasto comunista. Quando chegou a casa, os pais queimavam papeis no quintal. Foi um dia de medo para a família
Como nunca fui de papaguear o que ouvia dos outros, não fui repetindo esta versão. Um dia ouvi a ideia oposta – que o 25 de novembro foi uma tentativa travada de revolução comunista e que salvou Portugal de se tornar numa nova União Soviética.
No meio disto, José Mário Branco, e outros intelectuais de esquerda à minha volta, referiam-se ao 25 de novembro como “um sonho lindo que acabou”. E há quem veja o 25 de novembro como o dia em que verdadeiramente se conquistou a Democracia. À direita (sobretudo para uma certa direita), o 25 de novembro é dia de festa. Quase tão gloriosa como a fundação de Portugal ou a Restauração da Independência.
Mas a versão mais credível, mais imparcial, menos polarizadora, foi de uma professora de História que me disse: “Ainda é preciso morrer muita gente para se perceber o que foi o 25 de novembro”. A História precisa dessa isenção, livre dos pêndulos que nos levam a enviesar a factualidade. Conformei-me com esta ideia e fiz a minha vida toda sem ter uma opinião sobre o 25 de novembro. Aguardo, é-me quase indiferente.
Posso dizer o que sei sobre o PREC (Processo Revolucionário em Curso – 1974-1976). A 25 de abril de 1974 caiu a ditadura. Os militares que fizeram a revolta dividiram-se em várias fações sobre o que fazer a seguir. A maioria dos militares era de esquerda e muito eram comunistas. Em setembro, o Presidente Provisório António de Spínola, que já queria ter sido Presidente durante a ditadura, demite-se por perder o apoio entre os militares. O moderado Costa Gomes assume a Presidência. A 11 de março de 1975, Spínola tenta um golpe militar e é travado – se tivesse vencido, Portugal teria voltado a uma ditadura? (É importante ler o que escrevia Spínola, antes do 25 de abril). O Partido Comunista ganha um peso crescente, mas perde esmagadoramente as eleições para a Assembleia Constituinte. Em setembro, o primeiro-ministro Vasco Gonçalves comunista é substituído pelo moderado Pinheiro de Azevedo. Dá-se então o 25 de novembro.
Mesmo no meu confesso aguardo, há perguntas que não deixam de me inquietar. Porque é que o 25 de novembro tem um lugar mais especial na História que o 11 de março? E porque é que aqueles que celebram o 25 de novembro, tantas vezes se recusam a celebrar ou chegam a menosprezar o 25 de abril? E mesmo aguardando, penso: é aqui que está o viés.
Vasco Lourenço foi capitão de abril, membro do conselho da revolução e um dos subscritores do famoso Documento dos Nove – a ala moderada dos militares que, em agosto de 1975, se manifestava contra a sovietização da revolução –. Este ano, falou sobre o 25 de novembro na Grande Entrevista da RTP.
Esta é uma voz a que dou particular atenção. No 25 de novembro, Vasco Lourenço foi nomeado Comandante da Região Militar de Lisboa. Esteve em todos os momentos, desde o 25 de abril até à extinção do Conselho da Revolução. Somou adversários à esquerda e à direita. Foi dos mais íntegros em todo o processo, e dos que nunca deixou de lutar por um Portugal verdadeiramente livre e democrático.
Na entrevista à RTP, recorda que, no dia 25 de novembro à tarde, deu declarações à televisão em que afirmava ter “o problema resolvido à esquerda (…) o meu grande problema, neste momento, são os Falcões”, a linha à direita entre os militares. Afirma que, nesse dia e nos seguintes, os militares da direita tentaram bombardear vários pontos no país e que foram Costa Gomes, Eanes e o próprio a travá-los.
A semana passada, em declarações à Lusa, Vasco Lourenço vai mais longe. Recorda que, nesse dia, as “forças ditas à esquerda são derrotadas imediatamente”, “e são as forças mais à direita que tentam um novo 28 de Maio” (o golpe de estado que, em 1926, deu origem à ditadura militar e, posteriormente, ao salazarismo).
A curiosidade levou-me a ir procurar mais declarações dadas nesse e nos dias seguintes. Encontrei estas de Pinheiro de Azevedo, Primeiro-Ministro de então e outro moderado – “Lamento a razão que tive quando publicamente denunciei o perigo de um golpe de direita encapotado de extrema-esquerda”.
E, mais recentemente, uma mesa redonda, promovida pela comissão organizadora das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, juntou Pacheco Pereira, Irene Pimentel e Jaime Nogueira Pinto. Os três historiadores, da esquerda à direita, foram consensuais “o 25 de novembro não foi um golpe de estado do Partido Comunista Português”.
Continuo sem saber tudo o que aconteceu no 25 de novembro. Mas vejo, entre os que o querem celebrar, a tentativa de marcar uma posição. E termino com mais uma citação de Vasco Lourenço. “Querem comemorar o 25 de novembro que eles gostariam que tivesse acontecido. Não aconteceu, a extrema-direita foi vencida.”
“Querer igualar o 25 de novembro ao 25 de abril?” Não, definitivamente não. “Eles nunca aceitaram o 25 de Abril como data libertadora e (da) democracia plena.”
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