Li pelo no Twitter que “as eleições são como os melões. Convém abri-los primeiro, antes de dizer se são doces ou não”. A sabedoria popular ribatejana pode transportar-se para Espanha, até porque o melão que Sanchez abriu a 28 de Maio, saiu amargo e o Partido Popular é que abriu o melão mais doce.
Abandonada a fruticultura, até pela seriedade do tema, vários são os motivos que precipitaram a hecatombe eleitoral da esquerda. Os últimos meses não têm sido fáceis para o Governo Espanhol. O Presidente do Governo olhou para estas eleições como uma prova de vida essencial, mas sobretudo como um “medir de pulso” dos espanhóis aos últimos anos da “geringonça” espanhola.
A campanha socialista contou inúmeras vezes com a forte mobilização da máquina nacional do partido. Sanchez expôs-se em demasia, deu a cara em inúmeros momentos, apelou ao voto com vigor, e vendeu o progressismo das suas políticas, mas não foi suficiente. O incumbente foi para o terreno e viu-se de frente com combates, de forma bastante clara, que abriram várias frentes e fantasmas do passado. A exposição de Sanchez permitiu ressuscitar fantasmas como a ETA e o medo da ascensão da esquerda nacionalista basca
em Espanha. Fantasmas, é certo, mas os fantasmas políticos do outro lado da fronteira, são como as bruxas: yo no lo creo en las brujas pero que las hay las hay…
O EH Bildu, arregimentou nas suas listas 44 membros da extinta organização terrorista. É certo que 7 deles anunciaram que não tomavam posse, caso fossem eleitos, mas ainda sobravam 37. Ainda que se tenha demonstrado desconforto com estas listas, EH Bildu mantém relações cordiais com o PSOE, relação que se podia tornar útil no cenário de equilíbrio de forças futuras. Perante estas possibilidades, os espanhóis não perdoaram. Em contrapartida, o PP soube capitalizar este flanco, tomando as rédeas do fantasma.
Outro fator que capitalizou muito descontentamento no governo, e que vejo pouco analisado, é o falhanço total, ainda que com digna intenção, da aplicação da Lei “Solo sí es sí”. Uma lei, com falhas, que levou à libertação de mais de uma centena de violadores e a diminuição de mais de mil penas. Os espanhóis não perdoaram e o PP soube capitalizar este flanco, tomando as rédeas de mais um fantasma.
Poderia continuar a dissecar as razões que levaram a este resultado eleitoral, mas, por força das atitudes pós-eleitorais, sou forçada a falar do discurso de Pedro Sanchez.
Espanha acordou vestida de azul, com o Partido Popular a governar mais regiões autónomas e municipais, com feridas abertas em Sevilha, Aragão, na Comunidade Valenciana e a depender do VOX para formar governos. E neste caso concreto, desengane-se quem insiste em comparar a política portuguesa com a espanhola. O papão da extrema direita não funciona da mesma forma na terra dos “nuestros hermanos”.
À porta da Moncloa, Pedro Sanchez faz um discurso híbrido. Não utiliza a palavra derrota, nem tão pouco quer falar muito nela e, apesar do estrondoso resultado, o Chefe do Governo também não utiliza a palavra demissão. Em contrapartida, dissolveu as cortes e convocou eleições para 23 de julho. Antecipa o cenário eleitoral em quase 6 meses e, ainda que à primeira vista possa parecer uma jogada arriscada, esta atitude traduz-se na mais recente aula de resistência do Presidente do Governo Espanhol.
No dia seguinte às eleições, Pedro Sánchez tenta passar uma imagem de responsabilidade política. Com esta decisão, tenta acalmar os focos de contestação internos, desvia as atenções da enorme derrota eleitoral, e obriga o PODEMOS e a plataforma SUMAR, a construir pontes de entendimento, forçando a união das esquerdas. No final, tenta dar um golpe de asa: apanhar a direita em contrapé.
Enquanto a direita se organiza em negociações pós-eleitorais, o PSOE ganha tempo e fôlego para reorganizar a estrutura do partido e tentar contrariar as tendências que nos parecem óbvias.
Após o resultado eleitoral, Feijóo tem poucas semanas para se organizar internamente e conseguir perceber como vai levar as futuras coligações com o VOX a bom porto. Daqui até 23 de Julho, o PP tem que negociar e ainda guardar tempo para vencer umas eleições.
A resistência de Sanchez é conhecida. Em 2019 lançou o seu livro “Manual de Resistencia”. Ao longo das suas páginas do livro assume: “pode soar presunçoso, mas apercebi-me que prospero em situações difíceis.” E na verdade Sanchez tem razão, demonstrou que tem resiliência e de facto conseguiu fortalecer-se nas adversidades. O Presidente do Governo Espanhol chega em 2014 e encontra um PSOE desmobilizado e uma Espanha a reerguer-se de uma grave crise económica. Pelo meio venceu umas eleições primárias e derrotou um Mariano Rajoy, tendo ainda a oportunidade de derrotar Pablo Casado, moções de censura e quando tudo parecia prosperar, uma pandemia colocou à prova o seu governo, e ainda assim, consegue manter-se à tona com a crise inflacionista e a Guerra na Ucrânia.
Pedro Sanchez demonstrou que não o devemos subestimar. Seja qual for o fim destas eleições, considero que nos devemos manter confortáveis na cadeira para assistir a mais uma aula de resistência.
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