Quando li a notícia do Diário de Notícias que, citando dados oficiais da PSP, relatava um decréscimo significativo do crime na cidade de Lisboa pensei que Carlos Moedas fosse convocar imediatamente uma conferência de imprensa. Nela colocaria aquele ar empenhado e sofrido e informar-nos-ia de mais um feito extraordinário da sua autoria. Ele, contra a oposição que o bloqueia, contra o governo central que não lhe dá mais polícia e não o deixa ter uma força policial só dele, saiu para a rua e como é um homem que faz acontecer, um “doer” pôs na ordem os meliantes e fez recuar o crime 12,6% na criminalidade geral e 10,4% na violenta (dados DN).
Qualquer semelhança com o que tem sido a sua atitude na inauguração de obras em que o seu papel se limita a cortar a fita não seria coincidência. Não tendo praticamente nada para mostrar de sua lavra dedicou-se a esta difícil prática. Esquece-se sempre de falar daqueles que as pensaram, lançaram e executaram, mas será, com certeza, esquecimento.
Enganei-me. De facto, a conferência de imprensa foi convocada, mas não foi para reclamar os louros desta boa notícia para a cidade. Foi para nos explicar que o que aconteceu realmente não aconteceu. Pronto, foi bom, mas não aconteceu mesmo ou não foi bem assim ou há ali manipulação ou vá lá perguntar ao lojista que foi assaltado, e os bandidos a roubar relógios de pistola em punho mas já foi pior e se … Confuso? É normal, mas não é o estimado leitor que não está a perceber, nem sou eu a complicar. Foi assim.
O Presidente da Câmara, na sua qualidade de engenheiro, disse que “podemos ter um número menor, nas estatísticas, mas a criminalidade é maior”. Talvez se eu fosse engenheiro percebesse, como não sou não consigo compreender como havendo menos crimes há mais criminalidade.
Moedas explicou: os partidos de esquerda estão a politizar esta notícia. Ou seja, às tantas essa malandragem anda para aí a dizer que havendo menos crimes há menos crimes. E assim se faz política mesquinha.
Eu estava capaz de jurar que não é preciso ser de esquerda ou de direita para se saber que quando há menos crimes há menos crimes, mas também não sou especialista em estatística.
Há a possibilidade de haver um efeito matemático que faz com que menos deixe de ser menos: é falar com quem foi assaltado. O Presidente da Câmara explicou: se falássemos com a pessoas vítimas de crimes e percebíamos melhor. Deve assim haver um qualquer fenómeno estranho que faz que pelo simples efeito de se falar com uma dessas pessoas o menos passe a ser mais.
Confesso que fiquei um bocadinho desconfiado quando falou duma rua a 500 metros de minha casa e onde ele assegura as pessoas têm medo de frequentar à noite e há assaltos em barda. Curiosamente, um canal de televisão no dia da referida conferencia de imprensa interrogou lojistas e frequentadores e ninguém confirmou o edil. Estranho, vivo na zona há 40 anos e confirmo que nunca a vi tão segura. Pode ser que se tenha enganado na rua, pronto.
Há quem diga que Carlos Moedas anda com esta conversa de Lisboa ser uma cidade insegura e que o crime está a subir porque quer ganhar as próximas eleições e acha que com este discurso vai buscar votos à extrema-direita. O que estas pessoas dizem, no fundo, é que o Presidente da Câmara mente. Pronto, não é mentir, são perceções. Algo que Carlos Moedas quer substituir por factos, essa coisa chata que lhe estragou o dia e a narrativa dos últimos meses. Estava a dar tanto jeito, não se falava do lixo espalhado, das ruas esburacadas, da iluminação deficiente, da inexistência total do lançamento de obras estruturais, do entusiasmo esbracejante com que trata o problema da habitação. Resumindo, um mandato que foi um rotundo zero e em que pareceu que estava muitíssimo mais preocupado com o seu futuro político do que em gerir a cidade.
Acho, porém, que é possível haver aqui uma estratégia que ninguém pensou, só o nosso engenheiro: ele anda a publicitar que Lisboa é uma cidade perigosa porque acha que há turistas e investidores a mais. Não está mal visto, não senhor. Grita-se alto e em bom som que há para aí gente de facas em riste e pistolas empunhadas e reduz-se logo a necessidade de tantos ALs e hotéis. No mesmo sentido, é capaz de já haver unicórnios a mais e é preciso espantá-los.
Tudo se explica.
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