Em meados de fevereiro, a prestigiada revista francesa L’Obs fazia capa com Emmanuel Macron e um título sugestivo: “Lui, Président?”. Lá dentro, questionava como um “óvni político” difícil de etiquetar poderia alguma vez chegar ao cargo mais alto da nação francesa, assumindo que tal só seria possível se ultrapassasse convincentemente as suas contradições. “Tem instinto e coragem, é subtil, talentoso e culto. Estas qualidades fazem dele um personagem. Mas farão elas um presidente da república?”, lançava a publicação com desconfiança incontida.
Parece pois que um óvni fora do sistema é o mal menor que, com elevada probabilidade, será eleito o próximo Presidente francês. Macron, o “candidato entre”, é um ET que não é nem de esquerda nem de direita (ou é de esquerda “e” de direita), nem socialista nem conservador. Diz-se sim “progressista” (seja lá o que isso for), liberal, pró-Europa e defensor da laicidade do Estado. Pragmático, não tem um partido, uma linha ou uma doutrina. É uma espécie de terceira via à francesa, insuflada por uma telegenia e predileção mediática, que ninguém sabe muito bem no que vai dar. Se o mote da campanha de Macron é “Em Marcha”, a dúvida que persiste é exatamente para onde?
Pela primeira vez na história da V República, será escolhido para um dos dois cargos mais altos em França alguém que não é de um dos dois principais partidos franceses. Estes saem espezinhados desta eleição. Gaulistas e socialistas, juntos, conquistaram míseros 26% dos votos, pouco mais do que Marine Le Pen, a candidata de extrema-direita populista mais temida na Europa e por muitos franceses que vai agora à fase final. Pela primeira vez, a direita francesa perde por KO e não leva ninguém à segunda volta. A escolha será entre um noviço político desconhecido há três anos e que nunca tinha ido a votos antes na sua vida e uma populista radical encartada que quer deitar tudo abaixo: é a vitória dos dinamites, como escreveu o Fígaro.
Clarinhas como água ficam as duas grandes tendências cada vez mais evidentes na Europa e nos Estados Unidos: o crescimento dos populismos e a decadência dos partidos tradicionais. Um terramoto político que não pode ser explicado apenas pela má forma dos partidos do centro: é verdade que François Fillon (que alcançou 20,01% dos votos) foi consumido pelo escândalo de favorecimento “Penelopegate” e é verdade que Benoît Hamon (6,36% dos votos) chega penalizado por cinco anos de governação socialista que deixou a popularidade muito em baixo. Mas também é verdade que nenhum dos dois partidos conseguiu fazer o que lhe competia: renovar-se, galvanizar os ânimos, e apresentar uma solução mais credível do que a dos dois outsiders.
Estas foram, mais uma vez, umas eleições carburadas pela desilusão. Uma deceção com o sistema e as suas respostas do costume, com os discursos do costume, com os escândalos e a avidez do costume. Uma deceção com a pequenez de vistas para apresentar caminhos e as orelhas mocas aos anseios das pessoas. Os franceses, também eles, ditaram a gritante falência do “centrão”, mas apesar de tudo veem em Macron (que foi ministro da Economia de Manuel Valls) um corpo menos estranho.
Se há coisa que fica mais uma vez clara é que poucos são hoje os sufrágios tipo favas contadas para os partidos tradicionais. Os eleitores estão cada vez mais “loucos”: menos fiéis, menos temerários da mudança, mais saturados da inépcia. Cheios de vontade de pensar fora da(s) caixa(s). Ou o centro começa a dar-lhes ouvidos e a renovar-se por dentro, ou a renovação virá de fora e virá à bruta.