Em 2025, abrir o smartphone ou a televisão pode ser um comportamento de risco para a nossa saúde mental. Nunca ouvimos tantas vezes a palavra “empatia” aplicada aos mais variados contextos, e provavelmente nunca tivemos tanto acesso, contínuo e em direto, ao sofrimento dos outros. Será que estamos em risco de contágio emocional? Se juntarmos humanidade e tecnologia, será que nos sai na rifa a síndrome de desgaste por empatia? Não está tratada a estatística desta fadiga. Mas posso dizer-vos que estou no grupo de risco.
Empatia. A empatia é a capacidade psicológica de sentir o que sentiria outra pessoa, se estivéssemos na sua situação. Não é calçar os sapatos da/o outra/o, que já lá estão os seus pezinhos. É, antes, entender as circunstâncias da outra pessoa, a partir da nossa própria posição.
A empatia, que é polissémica, é abordada pela psicologia desde o séc. XIX e, para mim, tem em Carl Rogers a análise mais interessante: nos anos 50 desenvolveu uma modalidade de psicoterapia baseada na compreensão empática, a Abordagem Centrada na Pessoa, entendendo que a empatia pode ser aprendida e, em consulta, implica que o terapeuta se sensibilize com o relato do paciente e compreenda os seus estados internos, sem juízos de valor – diz-vos alguma coisa, psicoterapeutas do milénio?
Portanto, a empatia não é uma emoção, não se “sente”, “tem-se”. E 98% dos humanos têm esta capacidade de reconhecer, compreender e reproduzir emoções alheias – desconte-se quem tem Perturbação de Personalidade Antissocial (PPA), vulga/os sociopatas. Quem tem empatia sente as emoções dos outros, consciente que não são suas – um exercício difícil que pode levar à fadiga por empatia. E 2025 está para um cansaço extremo: desastres climáticos, Ucrânia, Médio Oriente, movimentos políticos com doses fortes de PPA mundo afora. Se juntarmos à equação a nossa superexposição digital aos acontecimentos, sobretudo via redes sociais, e em síndromes como a Headline Stress Disorder , está o caldo do desgaste por empatia entornado. Mas afinal, o que é isto? Excesso de sensibilidade? Sentimentos extremos de compaixão? Não. É fisiológico, psicológico e impacta na nossa saúde mental.
Síndrome de Desgaste por Empatia
A SDE é habitualmente associada aos profissionais de saúde mental, voluntários, bombeiros, médicos veterinários, assistentes sociais, etc., por estarem particularmente expostos ao sofrimento dos outros. Mas pode afetar qualquer pessoa. A síndrome foi conceptualizada pelo psicólogo americano Charles Figley quando, ao analisar o comportamento do um grupo de voluntários nova-iorquinos, após o 11 de Setembro, definiu a exaustão emocional profunda de quem lida ou ajuda pessoas que passam por situações difíceis ou traumáticas. Como tantas síndromes, não é reconhecida ou classificada como perturbação mental. Mas que a sentimos, sentimos.
Pode dizer-se que a SED é prima do burnout, porque também implica exaustão emocional. Mas não são irmãs: a síndrome de burnout ocupacional resulta de stressores psicolaborais e faz-se sentir no limite da exaustão emocional e física; a SDE resulta de stressores psicoemocionais, representa “custos de cuidado” com o outro e instala-se sorrateira e silenciosa. A sintomatologia é tríplice: (1) reexperimentação contínua das experiências dolorosas/traumáticas alheias (sonhos, flahsbacks, acordados); (2) desconexão afetiva, pela má gestão do sofrimento acumulado e incapacidade de assimilar mais dor; (3) hiperatividade e hiperexcitação nervosa que causa insónias, pesadelos, dificuldade de concentração, exacerbamento de pequenos estímulos. Esta sobrecarga emocional impacta na saúde mental e pode conduzir à depressão e a ansiedade. A dificuldade em lidar com este excesso de emoções e administrar pensamentos é geradora de grande stress e a hiperatividade pode provocar ataques de pânico – entra a ansiedade. De igual forma, o overload emocional e desconexão afetiva pode levar à anedonia, incapacidade de sentir prazer e interesse em contextos antes motivadores – entra a depressão.
Reciclar o desgaste empático. Os especialistas aconselham a evitação da SED: mindfulness, meditação, autoconhecimento. A mim interessa-me como resolver a SED instalada. A tentação é aplicar o “isto já passa” e bloquear as emoções negativas. Mas não é boa estratégia: há que internalizar estes estímulos, entender a dor como parte do todo e racionalizar a desgraça – não para nos resignarmos mas autoajudarmos, e sermos capazes de auxílio alheio.
Pessoalmente, acho que uma dieta digital e noticiosa inteligente, com direito a detox estratégico e seleção gourmet, ajuda muito. E canalizar a frustração para a mudança dos centímetros de mundo que nos cabe mudar, também.