Muito se tem falado de perceções nos últimos tempos. Seja por causa do tema da segurança, da imigração ou da corrupção, há um debate acerca da diferença entre perceção e realidade e qual a importância que devemos dar a cada uma dessas dimensões (perceção subjetiva versus realidade objetiva) para a definição das políticas públicas ou da agenda mediática.
Uns defendem que há uma distância muito significativa entre perceção e realidade (no caso português, com a realidade da migração, da insegurança ou da corrupção a serem menores do que a perceção que se tem desses problemas) e que quer os meios de comunicação social quer os políticos têm a obrigação de se guiarem pelos dados objetivos e não pelas perceções ou sensações da população. Outros, ou acham que a diferença entre perceções e realidade é mais ténue (e por isso se deve olhar para as perceções) ou acham que as perceções são importantes por si só, e por isso merecem atenção mediática e política (na encomia, por exemplo, indicadores de sentimentos dos consumidores ou dos investidores são frequentemente analisados para se tentar prever o desempenho futuro da economia).
Este está longe de ser um debate fácil e nunca será gerador de consensos. Primeiro, porque por mais objetivos que quiséssemos ser, é impossível ter os indicadores todos que nos dessem a certeza do nível de corrupção, insegurança ou imigração num dado país ou momento. Depois, a importância que cada um dá à subjetividade versus objetividade também não é susceptível de ser encarada como certa ou errada: são posições filosóficas distintas (até porque não há consenso na filosofia acerca do que é a “realidade objetiva” e porque as perceções são, também elas, uma realidade, a realidade da subjetividade de cada um).
Tudo isto para chegarmos aqui: quando se quer dizer se uma nação está bem ou mal, também nos vamos deparar com este dilema. Olhamos apenas para dados supostamente objetivos, ou temos em conta o que as pessoas sentem ou pensam acerca da sua própria vida?
Se olharmos para os dados objetivos, temos um problema: como se define quais são os indicadores de bem-estar? E quem os escolhe? Será o PIB? Será a Esperança Média de Vida? Será a taxa de emprego? Será o acesso à habitação? Será um compósito de tudo isso? Se sim, com que pesos para cada componente?
Ao invés, se perguntarmos às pessoas quão felizes se sentem ou quão satisfeitas estão com a sua vida, estamos a olhar para a sua subjetividade e as suas perceções, mas a aceder diretamente ao que realmente interessa: ao fim ao cabo, a nossa vida é a consciência que dela temos, as nossas sensações, perceções e memórias.
Além do mais, assim, evitamos o paternalismo: não é o criador do indicador de bem-estar que está a dizer o que é bom para as pessoas, são as pessoas que, ao nos dizerem como se sentem, revelam o que as faz sentir felizes.
E os milhares de estudos científicos sobre o bem-estar subjetivo já nos dão confiança de que as perceções das pessoas acerca da sua própria vida são fiáveis e um indicador insubstituível acerca do bem-estar.
A satisfação que cada um tem com a sua vida é um indicador fundamental e indispensável para a avaliação do bem-estar de uma qualquer comunidade. A ciência já a estuda e atesta a sua fiabilidade. Temos, agora que a começar a usar, definitivamente, como guia da ação política e a dar-lhe a devida atenção mediática.
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