Confesso que enquanto cidadão olho com grande perplexidade e preocupação o discurso político no que tange à área da justiça, completamente pobre e vazio de ideias, e que se cinge, na sua essência, a ataques à atuação do Ministério Público e da atual Procuradora-Geral da República.
A propósito da instauração de um determinado inquérito foi construída toda uma narrativa, tentando convencer o cidadão comum que foi o Ministério Público a criar uma determinada situação política, quando na realidade e lamentavelmente são os protagonistas políticos que arrastam esta magistratura para a agenda político-partidária.
No outro dia e num programa televisivo dois comentadores reputados afirmavam com grande convicção que não bastava uma suspeita para se iniciar um inquérito criminal e que o Ministério Público precisava de ter muito mais para iniciar a investigação e confundiam denúncias anónimas com aquilo que é a finalidade de qualquer inquérito.
Ora, se não é no inquérito que deverá comprovar-se a suspeita e se efetivamente foi cometido o crime, como é que o MP deveria atuar?
Será que estes dois preciosos comentadores acham que deve existir previamente à instauração do inquérito uma investigação clandestina, não registada, com recolha de prova à margem das regras processuais? É este o modelo que defendem?
Denúncia anónima é aquela em que não é conhecido o denunciante, não é aquela que perante a suspeita de um crime visa comprovar a sua existência, pois essa é a finalidade de qualquer inquérito – o inquérito compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (artigo 262, 1, do Código de Processo Penal).
Num outro fórum e numa rádio ouvi dois protagonistas dos dois principais partidos defenderem que a PGR deveria ir à Assembleia da República apresentar um relatório anual da atividade do Ministério Público, ignorando que o relatório já existe e é elaborado anualmente para ser apresentado institucionalmente e divulgado publicamente.
Talvez se alguma vez, eles e muitos outros que para aí andam a atacar a atuação do Ministério Público, tivessem lido os relatórios anuais que vêm sido publicados, fossem menos severos nas críticas ao Ministério Público e cuidassem é de apresentar propostas para o reforço dos seus meios.
Basta atentarmos no último relatório publicado, relativo ao ano de 2022, para percebermos que muitas das críticas são infundadas, imerecidas, e apenas servem de fumaça para cegar os cidadãos e tentar dessa forma criarem as condições propícias ao controlo do MP.
No que se refere ao DCIAP, a percentagem de confirmação judicial em instrução da decisão de indiciação pelo Ministério Público em inquérito situou-se em 66,7%, sendo que no mesmo período foram decididos 20 recursos interpostos pelo Ministério Público do DCIAP, dos quais 13 foram providos, total (9) ou parcialmente (4) e 7 não providos, o que corresponde a uma taxa 65% de confirmação da sua posição.
No âmbito de intervenção apenas do DICIAP e no ano de 2022 foram declaradas perdidas a favor do Estado vantagens no valor de 13.123.739,84€.
A nível nacional, no que respeita à fase de julgamento, foram remetidos para esta fase 61.505 processos, tendo transitado do ano anterior 45.907 processos. Entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2022, findaram 64.293 processos na fase de julgamento. Foram julgados 52.464 processos, dos quais 45.131 com decisão de condenação total ou parcial (86%) e 7.333 com decisão de absolvição (14%). Findaram 11.829 processos por outros motivos.
A análise dos dados objetivos constantes dos sucessivos relatórios anuais revela bem da objetividade, responsabilidade e qualidade do trabalho do Ministério Público no exercício da ação penal.
Então qual o porquê desta campanha orquestrada contra o Ministério Público? A resposta só poder ser uma. Controlar o Ministério Público para criar paraísos penais, para que a justiça funcione apenas para alguns.
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