Nos últimos tempos muito se tem falado sobre a hierarquia do Ministério Público.
O Ministério Público é, de facto, uma estrutura hierarquizada, por imposição constitucional, mas que o seja de dicionário já tenho algumas dúvidas!
Isto porque o conceito de hierarquia varia consoante a estrutura de que falamos, seja ela militar, policial, da administração pública ou do Ministério Público.
Hierarquia não se reduz ao conceito simplista de o hierarca pode, o hierarca manda, o subordinado obedece!
Todas as hierarquias estão conformadas legalmente, de tal forma que o hierarca manda dentro dos limites e das competências que a lei ou regulamento estabelecem e o subordinado apenas tem de obedecer a ordens compreendidas nessa esfera, devendo recusar ordens ilegítimas.
E este é o cerne da questão quando falamos da hierarquia do Ministério Público.
O Ministério Público é uma estrutura hierarquizada e digo mais, é bom que o seja, mas essa hierarquia está legalmente conformada tal como resulta do seu Estatuto – os seus magistrados são responsáveis e hierarquicamente subordinados. A hierarquia é de natureza funcional e consiste na subordinação dos magistrados aos seus superiores hierárquicos, nos termos definidos no presente Estatuto, e na consequente obrigação de acatamento por aqueles das diretivas, ordens e instruções recebidas, nos termos do Estatuto e da lei de processo.
A sujeição do MP às diretivas, ordens e instruções nos termos descritos, numa evidência da aplicação do princípio da responsabilidade e como fundamento diferenciador da independência atribuída aos juízes, tem hoje no Estado de direito democrático uma importante função, a qual, inclusive, sobrepõe-se em vantagens à sua total independência. Assim, se por um lado, faz sobressair a responsabilidade do magistrado, por outro, possibilita a uniformidade de critérios de valoração durante a prossecução processual do MP e a melhor execução da política criminal definida pelos órgãos de soberania.
Mas tal como vem defendendo o Conselho Consultivo de Procuradores Europeus a independência do sistema judicial depende da independência do Ministério Público e ela só é assegurada se para além da autonomia em relação ao poder executivo for assegurado um grau elevado de autonomia de cada magistrado ou equipa de magistrados no processo de decisão.
É um risco deixarmo-nos enredar nestes novos ventos que, escudando-se na eficiência e na complexidade da nova criminalidade, não vêm limites na intervenção hierárquica no domínio do inquérito e que querem reconduzir os magistrados do MP, que nos termos do EMP, são Magistrados, a meros funcionários administrativos, o que em si é contraditório quando se exige de um magistrado uma decisão objetiva e imparcial num processo concreto.
A negação da capacidade de decisão e competência autónoma aos seus magistrados é potenciadora de mecanismos de controlo político e hierárquico mais ou menos explícitos, mais ou menos encapotados.
Ao contrário do que por aí alguns propalam tentando passar a ideia de que o órgão de soberania Tribunais se reduz aos juízes, ignoram por completo a nossa Constituição que é clara ao integrar o Ministério Público como parte indissociável dos Tribunais.
Mas tal não equivale à desresponsabilização da hierarquia que tem, à luz do novo Estatuto do Ministério Público, um vasto e exigente leque de competências na conformação da atuação do Ministério Público.
Desde logo ao nível da Procuradoria-Geral da República os poderes de dirigir, coordenar e fiscalizar a atividade do Ministério Público e emitir as diretivas, ordens e instruções a que deve obedecer a atuação dos magistrados do Ministério Público no exercício das respetivas funções e intervir diretamente no inquérito, nos termos previstos no Código de Processo Penal.
O Diretor do DCIAP a quem compete estabelecer orientações genéricas que assegurem métodos de direção do inquérito idóneos à realização da sua finalidade, em prazo razoável; intervir hierarquicamente nos inquéritos, nos termos previstos no Código de Processo Penal; acompanhar o movimento processual do departamento, identificando, designadamente, os processos que estão pendentes por tempo considerado excessivo ou que não são resolvidos em prazo considerado razoável; proceder à articulação com os órgãos de polícia criminal, com os peritos oficiais, com os organismos de reinserção social e com os gabinetes responsáveis pela administração de bens e liquidação de ativos provenientes da prática de crime; criar equipas de investigação e unidades de missão destinadas ao exercício da atividade do departamento.
Mas mais, os limites impostos pela lei processual penal à intervenção da hierarquia no processo penal não impedem que esta acompanhe os processos e que mantenha reuniões regulares com os magistrados que dirigem os inquéritos e os discuta com os mesmos e que possa socorrer-se dos vários instrumentos de intervenção hierárquica previstos no Estatuto e na lei processual penal.
Quando alguns representantes dos sectores políticos e económicos reclamam mais hierarquia no Ministério Público, não o fazem com qualquer propósito de melhorar a eficiência do Ministério Público ou a qualidade da sua resposta, mas por temerem que a iniciativa e direção da investigação criminal compita a uma magistratura autónoma e independente, a uma magistratura que não possam controlar e dominar.
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