Tantas vezes somos confrontados na comunicação social com a notícia de que no âmbito de uma determinada operação foram detidas várias pessoas para serem submetidas a interrogatório perante um juiz e tantas vezes se questiona o porquê da detenção e a razão pela qual não se optou pela convocatória dessas pessoas para comparecerem no Tribunal, em liberdade.
Para além das situações em que a polícia detém alguém que está a cometer um crime (flagrante delito), e sobre as quais não dedicaremos grande atenção por não levantarem especial celeuma, é ainda possível que essa detenção ocorra fora dessas circunstâncias, por ordem do Ministério Público, de um Juiz de Instrução ou em casos excecionais pela polícia, para que essa pessoa seja presente a um juiz tendo em vista a aplicação de medidas restritivas da liberdade, como a prisão preventiva, obrigação de permanência na habitação, proibição de se ausentar de uma determinada localidade ou de um país.
A necessidade de aplicação de tais medidas restritivas da liberdade (medidas de coação) decorre da verificação que alguém está indiciado da prática de um ou mais crimes e de em concreto ocorrem circunstâncias como o perigo de o arguido fugir para evitar ser julgado ou cumprir uma pena; perigo de perante o conhecimento da existência de um processo contra si tentar destruir ou dificultar a obtenção de elementos de prova; perigo de continuar a praticar crimes.
Como a lei exige a audição prévia do arguido, em interrogatório, perante um juiz, para poderem ser aplicadas, o Ministério Público quando considere necessária a sua aplicação, tem uma de duas alternativas: Ou requer ao juiz a sua aplicação e este vai notificar o visado para uma determinada data no futuro, tendo em vista a sua audição, e só após pode aplicar as referidas medidas; ou determina a detenção do arguido e o mesmo será presente ao juiz no prazo máximo de 48 horas para ser ouvido e lhe serem aplicadas tais medidas restritivas da liberdade.
Mas se existem essas duas alternativas, porque é que em determinadas circunstâncias se opta pela detenção, ao invés de convocar a pessoa para comparecer em liberdade?
Vejamos alguns exemplos.
O Ministério Público tem conhecimento de uma situação de violência doméstica e que o agressor continuando em liberdade pode continuar a agredir a vítima ou mesmo atentar contra a sua vida.
A solução de pedir ao juiz a aplicação de uma medida de coação, com o arguido em liberdade, sendo notificado para comparecer, poderia colocar em perigo a vítima, porque a necessidade de a proteger não se compraz com a dilação temporal inerente à notificação do arguido para comparecer e à realização do ato, exigindo que o agressor seja imediatamente detido, para que sejam aplicadas as necessárias medidas restritivas da liberdade e dessa forma se proteger a vítima em tempo útil.
Outra situação que pode exigir a detenção, ao invés da notificação para comparência, é o perigo de ocultação e destruição de provas.
Vejamos este exemplo: para a recolha de prova num determinado processo é necessário realizar buscas a empresas ou ao domicílio dos arguidos visados na investigação, tendo em vista a apreensão de dados informáticos contidos num qualquer sistema informático e que existe o perigo de que ao ter conhecimento das buscas o arguido possa tentar, por si ou por intermédio de terceiros, apagar esses dados.
Ora, se o arguido não for detido, mantém toda a liberdade de ação e contactos, pelo que perante o conhecimento do que os investigadores procuram e enquanto decorrem as buscas pode providenciar para que terceiros apaguem toda a informação comprometedora existente no sistema, tornando dessa forma impossível a sua apreensão como meio de prova.
Mais um exemplo: se o que se pretende evitar é que o arguido fuja e se existem elementos no processo que permitem concluir que o mesmo está a preparar-se para o fazer, a opção pela notificação para comparência em interrogatório poderia, por um lado, precipitar essa fuga e, por outro, se o arguido comparecesse em liberdade ficaria desprovido de sentido estar o Tribunal a aplicar-lhe uma medida restritiva da sua liberdade quando o mesmo se apresentou voluntariamente.
Estas são algumas das circunstâncias legalmente consagradas que podem determinar a necessidade de um arguido ser detido para interrogatório e que desaconselham a opção da notificação parta comparência.
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