O Ministério da Justiça apresentou, na passada semana, aos sindicatos representativos da classe, o “novo” projeto de estatuto.
Após mais de um ano desde que esta nova equipa do Ministério da Justiça tomou posse e de um compasso de espera tão longo, marcado por sucessivas greves dos funcionários judiciais, eis que era esperado algo novo, pensado, estruturado, que fosse ao encontro das reivindicações daqueles e que efetivamente dignificasse a sua carreira e a estruturasse de forma a responder de forma mais adequada e qualificada às necessidades do sistema judiciário.
Espantamo-nos, pois, que na sua essência o novo projeto de estatuto em nada difere daquele que a anterior equipa do Ministério da Justiça apresentou em 2021. Se era isto que tinham na calha, para quê tanta delonga na apresentação do projeto? Pretende-se mudar, para que tudo fique na mesma ou, mais grave, que ainda fique pior.
Tal como acontecia no projeto de 2021 o Ministério Público é totalmente desconsiderado na equação, concebendo-se uma carreira de funcionários em função dos juízes e ignorando por completo as competências, o trabalho exercido e as especificidades do Ministério Público.
A carreira de oficial de justiça nas secretarias do Ministério Púbico inclui, atualmente, as categorias de técnico de justiça principal, adjunto e auxiliar, que aí desempenham um conjunto de funções complexas e complementares.
Contudo, analisando o projeto legislativo de estatuto apresentado, não só não se evoluiu no sentido que vem sido preconizado pelo SMMP da autonomização de carreiras como, pelo contrário, se retrocedeu, ao tentar criar uma carreira única, com dois graus – técnico superior de justiça e técnico de justiça e sem diferenciação entre funções necessariamente distintas das secretarias judiciais e das secretarias do Ministério Público. Tal como temos vindo a preconizar, é insofismável que as funções atribuídas ao Ministério Público impõem a existência de um corpo de funcionários próprio, autónomo, com formação adequada e especialização nas suas diversas áreas de intervenção, com especial enfoque nas áreas de investigação criminal, trabalho, família e crianças.
Assim, a criação de uma carreira única e o aparente esquecimento ou perda de autonomia das secretarias do Ministério Público, fundindo aquilo que é infundível, prejudica totalmente tal desiderato e aniquila a necessidade de munir o Ministério Público de um corpo de funcionários que o coadjuve, um corpo de funcionários especialmente habilitado e vocacionado para o serviço de atendimento ao público, para a área de investigação criminal, para a área do trabalho e da família e crianças, os quais exigem uma especial capacidade de comunicação, formação e especialização.
Mais, tal como no anterior projeto, prevê-se a possibilidade de o administrador judiciário, após autorização do diretor-geral da Administração da Justiça, designar técnicos superiores de justiça para o exercício de funções de assessoria técnica aos magistrados.
Tal representa uma clara violação do princípio da separação de poderes.
A carreira de oficial de justiça está subordinada ao poder executivo, atenta a natureza de serviço central do Ministério da Justiça, atribuída à DGAJ, quer na colocação, quer na execução do serviço, quer na exoneração.
A magistratura judicial e do Ministério Público sempre reivindicaram a existência da figura do assessor para colaborar na preparação dos processos e para apoio na pesquisa de legislação, jurisprudência e doutrina necessários às decisões e promoções. Porém, tais assessores, têm de estar na dependência dos respetivos conselhos superiores, de forma a garantir a independência dos tribunais e a autonomia do Ministério Público, não podendo tais funções serem atribuídas a funcionários que se encontram na dependência do poder executivo.
O Ministério da Justiça quer que os oficiais de justiça que já estão em situação de rutura para as funções que atualmente desempenham passem ainda a ser assessores dos magistrados. Isto é claramente fazer “omeletes sem ovos”.
O projeto apresentado além de pecar por tardio, claramente não dignifica a carreira dos funcionários de justiça, ao nível remuneratório, de estruturação de carreiras e dos seus direitos sócio-profissionais e, indiscutivelmente, não responde às necessidades do sistema de justiça e dentro deste às necessidades decorrente das específicas competências do Ministério Público.
Para isto, porquê tanta demora???
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