A irrupção das bicicletas nos espaços das cidades é um fenómeno que, não sendo exactamente novo, tem adquirido um impacto mais marcado através da construção deliberada de ciclovias.
O ex-Presidente da CML, agora Primeiro-Ministro, afirmava numa entrevista dada durante a inauguração de uma ponte pedonal e ciclável por cima da Segunda Circular (ligando as freguesias de São Domingos de Benfica e Carnide) que “A ciclovia não deve ser só uma via de lazer, a ciclovia deve ser uma via de circulação normal no nosso quotidiano, por isso é necessário que a ciclovia deixe de circular só à volta do centro da cidade”. (Observador 14/02/2015).
Um dos aspectos cruciais destas medidas é a crença que as ciclovias – para além de outras medidas – poderão ser espaços de circulação mais seguros para os utilizadores de bicicletas, ao reservar espaços dedicados onde outros meios de transporte não podem rodar, prevenindo os acidentes nos espaços de circulação comuns.
Mas será isto verdade, isto é, haverá provas que documentem o efeito preventiva desta medida (apesar de tudo muito dispendiosa)?
Foi recentemente publicado uma revisão sistemática[1] procurando precisamente esclarecer esta questão: “Qual o efeito que diferentes tipos de infraestruturas cicloviárias têm sobre as colisões e lesões de ciclismo? (Cochrane Database of Systematic Reviews 2015, Issue 12. Art. No.: CD010415. DOI:10.1002/14651858.CD010415.pub2).
Os autores debruçaram-se sobre três questões específicas referentes a infraestruturas para ciclistas: 1) as que fazem uma gestão do uso compartilhado do espaço viário (automóveis e ciclistas, ciclovias e faixas de Bus compartilhadas); 2) as que separam o tráfego das bicicletas do tráfego motorizado, podendo estes espaços também ter uma utilização pedonal; 3) gestão viária das estradas, protegendo o tráfego de bicicletas do dos veículos motorizados (por exemplo, regras de trânsito que proíbem certos tipos de tráfego de circular) ou prioridades de mudar de direcção nos semáforos pelos ciclistas. As comparações foram feitas com ruas ou cruzamentos que ou não tinham infraestrutura cicloviária ou apresentavam tipos diferentes de infraestruturas.
Os autores incluíram estudos pesquisados em todas as bases de dados de artigos médicos até Março de 2015, em adultos e crianças, sendo que o desfecho primário de interesse foram as lesões sofridas pelos ciclistas como resultado de uma colisão quando se deslocavam de bicicleta. Os desfechos secundários foram taxas globais de colisão para ciclistas e o número total de ciclistas utilizando as ciclovias. Os tipos de estudos incluídos foram aqueles que, pela sua metodologia, melhor poderiam estabelecer uma relação causal entre as ciclovias/alterações de tráfego com as lesões provocadas pelos acidentes: ensaios clínicos comparando diversas intervenções, estudos pré-pós introdução de uma medida específica e séries temporais de análise dos eventos.
Os autores identificaram 21 estudos analisando 11 tipos diferentes de infraestruturas cicloviárias. Nenhum estudo incluiu lesões auto-relatadas pelos ciclistas ou lesões medicamente assistidas, tendo a maioria dos estudos incluído para análise relatórios da polícia reportando acidentes relacionados com bicicletas. Nove estudos relataram colisões por gravidade, sete incluíram informação sobre a idade das vítimas, dois informaram sobre o sexo das vítimas e um estudo relatou o nível socioeconómico de cada ciclista. O fluxo cicloviário foi incluído em 14 estudos.
Após combinação de todos estes estudos, os autores concluíram que até à data da pesquisa existe falta de provas de que o tipo de infraestrutura cicloviária analisado afecta quer a gravidade das lesões, quer a taxa de colisões dos ciclistas. As ciclovias não parecem reduzir o risco de colisão.
Foram no entanto detectados benefícios em áreas com limites de velocidade inferiores a 30-35 km/h, na presença de certas alterações físicas da rede rodoviária e determinadas intervenções nas áreas com tráfego mais intenso. Em termos de gravidade das lesões físicas relacionadas com o género, idade e nível socioeconómico, não existem evidências que permitam tirar conclusões sobre o seu efeito na taxa de colisões por ciclistas.
Infelizmente a qualidade desta evidência foi modesta, já que por exemplo poucos estudos incluíram as condições climatéricas e a influência que o volume de tráfego tem sobre a frequência das colisões.
Em conclusão: se é ciclista, utilize as ciclovias, mas nunca baixe o seu nível de alerta quando conduz. Mesmo as situações aparentemente normais podem esconder perigos súbitos e imprevisíveis.
[1] Uma revisão sistemática da literatura biomédica procura, através de processos muito rigorosos, identificar e combinar os resultados de estudos de boa qualidade respondendo à mesma questão científica. Deste modo, ficamos com uma ideia global do campo de investigação específico.